Capoeira me chama 2 E eu vou atender Entro na roda sem medoCom malícia e segredo Pronto pra me defender Iê aaaaa, iê ooooo Capoeira me chama da licença meu senhor Iê aaaaa, iê ooooo Capoeira me chama da licença meu senhor E foi um dia, lá na cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, que a capoeira me chamou. Lembro de ficar assistindo às rodas que aconteciam em uma das esquinas da Independência, a rua principal do centro da cidade. Eu pouco conhecia da capoeira, mas ficava vidrada nos movimentos e contagiada pela música e pelo som do berimbau. Porém, só pude atender ao chamado cerca de dois anos depois, quando me mudei para Blumenau (SC). Nessa época, eu cursava Psicologia e meu desejo sempre foi escrever sobre o valor que via na capoeira. Eu concebia a capoeira como prática que poderia contribuir como base ou suporte para o enfrentamento das questões que envolviam as emoções e o sofrimento psíquico. Nos primeiros anos, treinei bastante e em vários momentos, fiz escolhas que sempre priorizaram a capoeira, inclusive a desistência do curso. "Nossa! Eu nunca imaginei que você fizesse capoeira!". Costumo ouvir essa frase quando alguém fica sabendo que fiz capoeira durante alguns anos. Já se passaram mais de 25 anos e, apesar de ter diminuído a frequência, ainda participo dos treinos. Tenho as características típicas de uma descendente das etnias dos imigrantes que povoaram o Sul do país. Com pele e olhos claros − o que me parece determinante para esse julgamento − sou comum e discreta quanto ao modo de vestir e ao comportamento. Parece que não me enquadro no estereótipo identitário comumente atribuído aos capoeiristas. Embora a capoeira seja uma manifestação cultural e artística amplamente difundida em todo o Brasil e praticada em mais de 160 países, que abriga em suas várias dimensões, um misto de dança, luta, jogo e canto, ainda podemos falar de uma modalidade de sujeito capoeirista que povoa o imaginário popular.Hoje, após alguns anos de convívio com a capoeira, a primeira palavra que me vem à cabeça, para descrever essa prática, é liberdade. Justamente aquilo que sempre desejei a partir da minha adolescência. O motivo desse desejo tem uma relação estreita com o fato de eu ter nascido em uma família de cultura alemã predominante e fortemente ligada à religiosidade, em especial, pelo fato de meu pai ter sido pastor da Igreja Luterana. A cultura alemã e a família religiosa são indicativos (talvez, também estereótipos) de que minha educação aconteceu dentro de uma certa rigidez de costumes e normas. Mas ainda, havia o fato de eu ser filha de pastor. Os membros de uma igreja esperam que o pastor e sua família sejam exemplo de conduta. Mesmo que meus pais quisessem apenas educar seus filhos do mesmo modo que os outros pais o fariam, sempre