Resumo: O artigo analisa a concepção de indivíduo que aparece na obra Uma Teoria da Justiça (2008), de John Rawls, e no texto Política de Reconhecimento (1994), de Charles Taylor. Estudado e pensado pela filosofia, em geral, o indivíduo emerge na teoria política como importante ponto de partida para a reflexão dos direitos, da justa organização da vida social e do papel do Estado. Desse modo, compreender o "self" se torna uma preocupação, também, para os estudiosos da política. Neste trabalho, vai se discorrer sobre o embate entre o "eu" que existe antes do social versus o "eu" que só pode existir com e partir dos outros. Pretende-se, aqui, demonstrar a compreensão do "eu" por liberais igualitários e por multiculturalistas, observando como essas noções sobre o ser particular foram responsáveis pelas distintas visões de organização estatal, bem como pelas diferentes concepções de justiça.
Introdução"descoberta do indivíduo" colaborou para o questionamento ocidental do absolutismo e de uma sociedade com papéis pré-determinados. Houve estágios, no desenvolvimento da humanidade, em que as palavras indivíduo e sociedade não possuíam sentido, pois nem sequer existiam. Deixando à margem o esforço de distanciamento de termos que hoje são comuns, e utilizados com frequência, é fácil imaginar que eles devem sua existência à evolução da língua e à percepção de que existe um eu e os outros. De acordo com Elias, "não havia nenhum equivalente de indivíduo nas línguas antigas [...]. A persona latina referia-se a algo muito específico e tangível. Dizia respeito, antes de mais nada, às mascaras dos atores, através das quais eles proferiam sua fala". (1994, p.131). Ainda que persona possa servir como um equivalente ao indivíduo moderno, aquela palavra nada tinha do nível de generalidade do termo atual.A nova compreensão de identidade, surgida no final do século XVIII, permitiu a mudança da política de honras (ligada a preferências, vistas na exibição de títulos de nobreza) para uma política de dignidade, na qual todos os cidadãos deveriam ter direitos e privilégios iguais (TAYLOR, 1994). O objetivo dessa última política era evitar que os cidadãos fossem divididos entre os de "primeira" e os de "segunda" classe.É a emergência do indivíduo e a percepção deste como sujeito dotado de direitos (visão estimulada pela Revolução Francesa) que possibilita a elaboração de teorias da justiça nas quais esta aparece como equitativa: o Estado não é uma criação de Deus, mas um acordo entre indivíduos que teriam igual poder decisório em um estado de natureza.O artigo pretende fazer breve análise dessa noção de indivíduo em Rawls, que perpassa sua obra Uma Teoria da Justiça (2008), e em Taylor, a partir da Política de Reconhecimento (1994). Para isso, é preciso fazer, antes, uma distinção fundamental entre os autores: enquanto Rawls elabora uma teoria para o Estado justo, Taylor pretende aprofundar essa teoria, sem criar modelo novo.Acredita-se que a comparação é possível porque se prende, como já dito, a um aspecto do pensamento dos dois: a conce...