Leituras do governo neoliberal do Estado e da saúde

Abstract

Resumo A Saúde Coletiva brasileira analisou frequentemente o neoliberalismo como um fenômeno de esvaziamento do papel do Estado e de ameaça à saúde pública e universal. Tomando como subsídio o pensamento governamental de Foucault, discutimos o neoliberalismo como uma profunda metamorfose, não apenas do Estado, mas dos modos de produção de saúde. Enquanto atualização permanente do liberalismo, o governo neoliberal modifica as fronteiras entre público e privado e fabrica novas formas de normalidade, risco e subjetividade, progressivamente subordinados à verdade da economia e do mercado. Esta racionalidade econômica cria ideais de saúde inspirados em técnicas gerenciais de empresas e produz novas verdades biológicas, sanitárias, psicológicas. Restrita a “empresários bem-sucedidos de si mesmos”, a saúde pode se transformar em uma escolha moral e econômica em relação ao comportamento e ao risco individual, desresponsabilizando o Estado e criando um tipo de cidadania econômica destituída de solidariedade. Contudo, o jogo em torno de instituições e práticas de saúde não empresariais segue em aberto. Cabe-nos colocar em dúvida as formas de vida “responsáveis” e “seguras” que foram inventadas para nós, e desenvolver outras governamentalidades menos excludentes e desiguais em relação às que temos naturalizado e praticado.

Economia solidária, saúde mental e subjetividades: governamentalidade e resistência em um programa de geração de renda no município de Santo André, SP

“…Então, Foucault (2008) se detém no tema da governamentalidade que aponta para uma fusão entre os termos "governo" e "mentalidade", uma junção das tecnologias políticas e das formas de pensar e agir. "As formas de poder político, a partir do século XVIII, estavam ligadas ao crescimento de dispositivos de governo e a um complexo campo de saberes sobre o próprio governo, seus modos de exercício e a natureza daqueles sobre os quais deveria agir" (Andrade et al, 2022). O governo se estende para além de um exercício sistemático e repressivo de um Estado soberano, mas conta com um processo de autorregulação e autorreflexão da população, aliando ao exercício da condução das condutas individuais e coletivas, os procedimentos de cálculos, experimento e avaliação, em defesa da sociedade.…”

“…Em outras palavras, governar é sinônimo de gerenciamento de risco e cálculo contínuo para diminuição ou aumento de chances de ocorrência de determinado evento, interferindo nos diversos fatores que contribuem para que ocorram, buscando predizer e gerenciar fenômenos individuais e populacionais. Para esse fim, atuam diversos campos de produção de saberes, regimes de verdade e de práticas como a medicina moderna, saúde pública, epidemiologia, psiquiatria (e psicologia), epidemiologia, assistência social que, a partir do lugar de expertise, são fonte de autoridade em uma multiplicidade de formas de ação estatal e práticas de governo a elas ligadas (Andrade et al, 2022) (Foucault, 1974(Foucault, /2021.…”

“…A Saúde Pública emerge nesse contexto propondo normas médicas e educacionais a partir de práticas de exame da população, como a estatística, para uma caracterização epidemiológica. A partir do conhecimento sobre a forma de vida da população, os especialistas poderão identificar padrões de normalidade desejáveis e propor intervenções para normalizar a população de acordo com tais índices, no que tange a moradia, escolarização, higiene, segurança etc.Assim, há a formação de um discurso tido como verdadeiro que é aceito, tornando-se comum, um regime de verdades, em torno de valores como a saúde e a normalidade, a segurança, a educação, controle de risco e a própria subjetividade(Andrade et al, 2022).Assim, o que vemos se estabelecer como aquilo que entendemos hoje por políticas públicas é o que Foucault aponta como um exercício de governar por meio da lei. Em termos históricos, primeiro houve um sistema arcaico de governo, da Idade Média até os séculos XVII e XVIII, que tinha sua ação regulamentada por meio de um mecanismo castigos, além de uma série de tecnologias que visavam modificá-lo individualmente.Este segundo modo de governamento jurídico tratava-se, portanto, de um mecanismo disciplinar.…”

Subjetividade em risco

“…A tese está dividida em cinco textos que buscaram mais o formato de ensaios independentes do que uma continuidade temática em torno de um único objeto. Trechos desses capítulos já estão publicado em formato de livro ou artigo (18)(19)(20). Iniciamos como uma apresentação metodológica sobre a crítica e a genealogia para propor uma análise de discursos em torno da APS.…”

“…A primeira menção na década de 80, em artigo em francês assinado por um médico de família belga, que coloca como endereço institucional uma clínica de família a qual trabalhava e não uma entidade específica de pesquisa ou acadêmica, e que na época não era capaz de escrever artigos em inglês 18 O tema também aparece em publicação de Barbara Starfield, Juan Gérvas e dois outros autores em um periódico de epidemiologia e saúde comunitária ligado ao British Medical Journal em 2008 (116). O artigo debate a prevenção na saúde de forma ampla -como uma boa ideia que haveria se perdidoenumerando diferentes significados e suas atualizações possíveis em torno do tema.…”