O presente estudo procura compreender como as mulheres vítimas de violência falam sobre o amor e as relações de intimidade e como experienciam e significam o fenómeno da violência sofrida. Explora-se também o recurso à violência por parte destas mulheres, em que contextos o fazem e como significam a violência perpetrada. O estudo envolve 12 mulheres vítimas de violência, de diferentes grupos etários e com diferentes trajectórias de vida, com as quais se conduziu uma entrevista individual acerca da história de amor da sua vida. Conclui-se que tanto os relatos de vitimação como os de perpetração se inscrevem em discursos socioculturais mais amplos sobre o amor e as relações de intimidade -que sustentam a vitimação sofrida no feminino e limitam a agressividade feminina. Concluímos que a violência feminina assume características idiossincráticas e tem implicações práticas diferentes, relacionadas com as desigualdades e assimetria de género, não havendo similaridade na violência entre homens e mulheres na intimidade. A agressividade feminina surge como estratégia para lidar com a adversidade, no sentido de conseguir algum controlo sobre a relação e o sentido de si próprias, revelando a capacidade de luta, sobrevivência e resiliência destas mulheres.
Palavras-chave:Agressividade feminina, Amor, Discursos socio-culturais, Violência na intimidade, Vitimação feminina.
INTRODUÇÃOO amor e a violência na intimidade têm sido maioritariamente abordados -à excepção dos trabalhos desenvolvidos no âmbito das teorias da vinculação (e.g., Allison, Bartholomew, Mayseless, & Dutton, 2008) -como fenómenos distintos ou reduzidos a uma mera associação contingente. Usualmente, a violência surge como contingência/consequência associada a determinadas características, processos ou dinâmicas subjacentes ao fenómeno do amor (e.g., Riggs & O'Leary, 1989) ou, quando muito, o amor surge como mais uma variável que pode ter influência na violência (e.g., Black, Tolman, Callahan, Saunders, & Weisz, 2008). Por exemplo, o amor tem sido referido como um factor de risco para o stalking (Spitzberg & Cupach, 2007) e para a violência no namoro, embora com resultados empíricos inconsistentes no que se refere a este último domínio (Riggs & O'Leary, 1989). Por outro lado, o amor tem também sido analisado
143A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Rita Dias, Escola de Psicologia, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga. E-mail: ritacondedias@psi.uminho.pt Este texto foi elaborado no âmbito do Projecto "Violência nas Relações Juvenis de Intimidade" financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PTDC/PSI/65852/2006), coordenado por Carla Machado.