ResumoNo presente artigo temos por objetivo problematizar sociologicamente a participação feminina no universo futebolístico brasileiro, de modo a avançarmos no entendimento de como se constroem e se reconstroem algumas representações e estigmas do corpo feminino no contexto dessa prática esportiva. Para levarmos a efeito esse objetivo, nos respaldamos em uma série de elementos empíricos e teóricos que foram trabalhados de forma dialógica e relacional no decorrer do estudo. Do ponto de vista empírico, nos valemos de um conjunto de dados e informações coletadas por meio de entrevistas, observações de campo e pesquisa com imagens. Já do ponto de vista teórico, fi zemos uso da teoria da ação social de Erving Goffman, tomando de empréstimo conceitos e noções fundamentais para a análise aqui proposta. A partir dessa articulação empírico-teórica, concluímos que o processo de construção corporal no contexto do futebol feminino brasileiro ocorre nos bastidores, enquanto a reconstrução corporal acontece de modo representativo na região de fachada.PALAVRAS-CHAVE: Representações; Estigmas; Sociologia do esporte; Brasil.A presença das mulheres no universo esportivo brasileiro têm se demonstrado, ao longo da história, um processo cerceado de controvérsias e dilemas. Um indício disso que estamos argumentando se deu já nas primeiras décadas do século XX, quando algumas modalidades esportivas eram indicadas às mulheres pelos benefícios à saúde, à maternidade ou por reforçarem atributos "feminis", enquanto outras eram proibidas por esbarrarem nas prerrogativas higienistas e eugenistas que então se instauravam no país [1][2][3][4][5][6][7][8][9] . Nesse particular, atividades que pudessem causar algum suposto tipo de dano aos órgãos reprodutivos das mulheres eram desencorajadas 5 , ao passo que as práticas corporais que envolvessem movimentos suaves, graciosos e que visassem o bem estar físico da "futura mãe" eram incentivados 2 . Nesse contexto em que se prevalecia fortemente uma ideia de renovação populacional, o corpo feminino acabou assumindo, sobretudo, o papel de reproduzir e gerar fi lhos fortes e saudáveis que defenderiam a então nação emergente.As práticas esportivas femininas refreadas ou encorajadas tão logo se tornaram um assunto de Estado. A infl uência do poder político sobre a esfera esportiva determinou, especialmente por meio do Decreto-Lei 3.199/4 a -que então regulamentava e estabelecia as bases legais de organização do desporto no país -, que as mulheres estavam expressamente "desaconselhadas" de praticarem atividades que não fossem adequadas à sua natureza 1 . Interessante notarmos que mesmo com a revogação do Decreto-Lei 3.199/41 no ano de 1979, uma espécie de "contrato social implícito" 10 acerca da participação das mulheres no esporte ainda situava seus corpos como alvos de tensões e polêmicas. Essa movimentação social, por sua vez, indica que nem sempre mudanças operadas no âmbito legislativo implicam, de fato, em mudanças no espaço social