Meu amor, eu tive uma ideia genial: Que tal inserir nosso lar na economia global? É muito simples, não nem tem filosofia, É só fazer a tal reengenharia. No mundo inteiro vai que é uma beleza, Por que não fazer igualzinho lá em casa, hein princesa? É só jogar no lixo o que não precisa, A tua mãe, por exemplo, a gente terceiriza. Não se preocupe com a culinária, Agora ficou chique comer porcaria, ter urticária. O que há de mal, afinal? É só um bocadinho de mesquinharia. Meu bem, não vejo a hora de fazer economia de escala: O mala do nosso vizinho, pegamos, botamos fora, A mulher dele a gente incorpora. Vamos acabar com todo o desperdício, Afinal, qual é o mal? É só a beira do precipício. Os amigos a gente elimina E traz só um brinquedinho baratinho lá da China. Vamos criar um lar bem competitivo, Um lar que seja voltado só para um objetivo. Ente o ativo e o passivo, Vamos ver qual de nós dois ainda continua vivo. Vamos cair de boca no pragmatismo, Afinal, qual é o mal? É só a beira do abismo. Querida, vamos acabar com todo o sossego, Dar um basta nos sentimentos e nos momentos de aconchego. Pulmão otimizado, coração desativado no seguro desemprego. Nosso lar vai virar uma operação enxuta, Com muito mais inveja, com muito mais disputa. Afinal qual é o mal em ser só um tiquinho filho da puta? Vamos concentrar na nossa vocação, meu bem: Ficar querendo o que a gente não tem. Oh! Meu amor, eu quero detonar o quarteirão, o mundo, o bairro, Só pra comprar nosso segundo carro. Oh! Meu amor, depois, quando tudo der certo, Ficaremos só nós dois num lindo deserto. Vai ser tão legal ser moderno aqui no meio do inferno... Poderemos gravar tudo isso em vídeo, Afinal, qual é o mal? É só um pouquinho de suicídio. Teu irmão eu aniquilo, teu pai jogamos no asilo, E só vamos comer por quilo.