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Com base em três romances de Cristovão Tezza que se passam em Florianópolis, o artigo discute um deslocamento da violência externa à sua internalização no sujeito. Para isso, começamos discutindo, pela chave Literatura e Sociedade, sobre o lugar que a ditadura civil-militar ocupa nos primeiros romances do autor e como este processo de violência externa exercido pelos militares (em Ensaio da Paixão) reverbera na repetição traumática por parte do sujeito (em Aventuras Provisórias), resultando, por fim, em uma internalização da violência que passa a se apoiar nas ameaças do passado, por meio da memória (em O Fantasma da Infância). Concluímos com um breve comentário sobre o lugar de Florianópolis na formulação estética do autor, apontando como as obras que relacionam a ditadura de 1964 à cidade constituem um problema estético que segue sendo desenvolvido em sua literatura atual.
Com base em três romances de Cristovão Tezza que se passam em Florianópolis, o artigo discute um deslocamento da violência externa à sua internalização no sujeito. Para isso, começamos discutindo, pela chave Literatura e Sociedade, sobre o lugar que a ditadura civil-militar ocupa nos primeiros romances do autor e como este processo de violência externa exercido pelos militares (em Ensaio da Paixão) reverbera na repetição traumática por parte do sujeito (em Aventuras Provisórias), resultando, por fim, em uma internalização da violência que passa a se apoiar nas ameaças do passado, por meio da memória (em O Fantasma da Infância). Concluímos com um breve comentário sobre o lugar de Florianópolis na formulação estética do autor, apontando como as obras que relacionam a ditadura de 1964 à cidade constituem um problema estético que segue sendo desenvolvido em sua literatura atual.
Os anos 1960 são conhecidos como tempos de convulsão cultural e política. É certo que eles congregaram uma série de movimentos e viram emergir novos personagens e protagonistas na cena social, que o corpo e a juventude chegaram para rivalizar com a sabedoria e a maturidade. Costuma-se dizer que tal década constitui-se em momento de ruptura, o que não deixa de ser verdadeiro, uma vez que ela abriga uma geração que questiona suas antecessoras, tanto pela responsabilidade com a quase destruição do mundo perpetrada pela Segunda Guerra Mundial, como pelo conformismo e a resignação que marcaram os anos 1950, postura de muitos perante a reconstrução da Europa e da Ásia, motivada ainda pelos primeiros momentos do estado de bem-estar social centro-europeu. Por outro lado, a década de sessenta do século passado foi um tempo de respostas eventualmente radicais a problemas que se apresentaram com formas e conteúdos vários, ainda que, com frequência, partidários do mesmo impulso libertário, em diferentes regiões do mundo, ou mesmo no interior de uma mesma nação. Seria falso, portanto, tomá-la como bloco unívoco de acontecimentos, e ainda limitar aquela experiência histórica aos limites da cronologia que aparentemente lhe dá moldura. Se foram muitas as décadas em uma, igualmente as forças e fragilidades que lhe identificam podem ser vistas em anos anteriores, assim como seus ecos percebidos ainda hoje na composição do presente. A Guerra Fria, o embate entre os países alinhados à OTAN e aqueles sob o Pacto de Varsóvia, encontrou nos anos 1960 momentos de grande expressão. Foi quando Cuba reconheceu sua revolução como marxista-leninista e logo viu seu território sofrer tentativas de invasão, mas também ser alocado para a instalação de mísseis nucleares; o Muro de Berlim foi construído; as guerras de descolonização na África e na Ásia foram intensas; a América do Sul e a América Central viram golpes de Estado instituírem governos autoritários e as correspondentes tentativas de derrubá-los. De questão geopolítica, a Guerra do Vietnã, no sudeste asiático, se tornou também um forte embate cultural, que opôs a juventude estadunidense e europeia à intervenção dos Estados Unidos da América naquele país. Tal posição, por sua vez, se ligava à ascensão do corpo como legítimo lugar do desejo, expressão da paz vinculada à sexualidade livre, à igualdade de gênero, à descriminalização da homossexualidade, à alimentação saudável, à defesa do meio-ambiente, ao fim do racismo. É provável que o principal intelectual a dar forma a esse espírito tenha sido Herbert Marcuse, um arauto do encontro crítico entre psicanálise e marxismo e, não por acaso, o principal professor da então estudante, hoje professora titular aposentada, Angela Davis, referência central dos movimentos pela emancipação de afro-americanos de todo o continente. Diz-se com frequência que os anos 1960 foram uma década de rebeldia e reivindicações juvenis, como o que foi até agora escrito acima deixa ver, mas isso acontece também por demarcação imaginária dos discursos sobre 1968, ano conhecido pelo seu mês de maio e as revoltas estudantis na França. A esse contexto corresponde um dos movimentos estéticos mais importantes do cinema e mesmo das artes em geral, a Nouvelle Vague, cujo expoente, Jean-Luc Godard, era simpatizante dos estudantes maoístas e esteve nas ruas durante os combates em Paris. Os jovens, por sua vez, demandavam novas relações com professores e com a instituição universitária, vista como fossilizada e arcaica. Agendavam o fim da arquitetura dos anfiteatros, que impunha um lugar privilegiado para o docente, e do regime de avaliações, que destruía as energias libidinais. O novo cinema não aconteceu apenas na França, mas em outros países, como a Alemanha, com Wim Wenders, Alexander Kluge, Rainer Werner Fassbinder e Werner Herzog, entre outros, e no Brasil, com o Cinema Novo. Realizadores como Glauber Rocha, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, além de fotógrafos como Dib Luft e Luiz Carlos Barreto, desenvolveram uma estética da fome e uma fotografia à contraluz, priorizando temas políticos e libertários em suas narrativas. No Brasil, o Cinema Novo não estava sozinho, mas convivia com as propostas underground de Rogério Sganzerla e as existencialistas de Walter Hugo Khouri, assim como encontrava contraparte musical na Tropicália, cuja memória mais completa é o livro de Caetano Veloso, Verdade Tropical. Este movimento estético, liderado pelo músico e por Gilberto Gil, que retoma e atualiza o Modernismo de 1922, teria, no entanto, se enfraquecido, segundo Roberto Schwarz (Martinha versus Lucrécia), como oposição à ditadura civil-militar que tiranizaria o país durante duas décadas. A contracultura seria nesse registro, não necessariamente crítica política. O caráter libertário dos anos 1960 encontra seu desiderato também no liberalismo, de forma que herdeiros de Woodstock podem ser vistos nas redações de jornais e na produção de conteúdo publicitário, como também em Wall Street. As contradições só tornam aquela década mais interessante, fazendo com que o conhecimento sobre ela, agora que ela vai longe em 50 anos, seja algo constantemente renovado, já que as narrações, intepretações e ecos da memória e da história vão ganhando novas camadas e perdendo velhas linhas de força. Foram anos de Susan Sontag e José Agripino de Paula, de Marta Minujín e Che Guevara, da redescoberta de Walter Benjamin e do massacre de Tlatelolco, de Daniel Cohn-Bendit e Wilson Simonal, da educação alternativa da Glockseeschule e de Celso Furtado, de Charles Manson e Malcon X, de Mary McCarthy e Clarice Lispector, das ditaduras latino-americanas e de Blow-up. É considerando este quadro amplo e contraditório, precário e intenso, de anos ricos e também idealizados, que o dossiê Anos 1960: cultura e política espera contribuições com diferentes abordagens metodológicas e temáticas, que se dediquem a temas específicos ou procurem perspectivas mais amplas, conceituais ou empíricas, comparadas ou não. Iniciativas que possam trazer olhares renovados sobre o tema serão valorizadas.
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