Este número da revista Comunicação e Sociedade partiu do desejo das suas editoras de cruzar saberes e trocar olhares, convocando um encontro na fronteira entre as áreas dos estudos da fotografia e dos estudos de género. De outro modo, a nossa vontade de pensar a fotografia e o género prolongava uma necessidade de, a partir do domínio das ciências da comunicação, pensar politicamente o olhar. Neste âmbito, o nosso intento era considerar a malha de assimetrias -de género, mas também de etnia, de idade, de geografia, de cultura e de sociedade, entre outras -assim como o complexo feixe de maneiras de fazer e de desfazer o género que permeiam a circulação quotidiana de imagens, e enfim, que atravessam os discursos mediáticos e as figurações artísticas da nossa cultura visual contemporânea (Correia & Cerqueira, 2017). Esta necessidade, já trabalhada pela perspetiva crítica do filósofo da Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, teria sido reforçada, a partir da segunda metade do século XX, por diferentes tradições disciplinares, que passam pelo estruturalismo (Foucault, 1975), pelos estudos culturais, pela psicanálise, pelos visual culture studies (Berger, 1972;Mitchell, 2002;Mulvey, 1989;Shohat & Stam, 2006), pelo pensamento contemporâneo francês de filósofos como Georges Didi-Huberman (2017) e Jacques Rancière (2008), e claro, pelos estudos feministas, nomeadamente pós-estruturalistas e queer (De Lauretis, 1987Butler, 1990) e pós-coloniais (hooks, 1984;Spivak, 1985).Num processo de edição em que mais de uma trintena de textos foram submetidos a dupla revisão cega por pares, procurámos selecionar e organizar as diferentes contribuições aceites pelas/os revisoras/es 1 , como quem arruma e desarruma uma coleção de fotografias, dispondo e redispondo os objetos e os problemas que se perfilam nesse horizonte "indisciplinado" da fotografia e do género (Mitchell, 1995;Rancière, 2006). Com efeito, se já no cruzamento específico da fotografia e do género o quadro teóri-co é vasto (Alloula, 2001;Friedewald, 2014;Sullivan & Janis, 1990;Rosenblum, 1994;Humm, 2002;Raymond, 2017;Salomon-Godeau, 2017;Rosengarten, 1988), no cruzamento mais geral dos média e do género, as referências ultrapassam qualquer esforço de enumeração exaustiva. Centrando-nos no domínio das ciências da comunicação e na investigação no contexto português, podemos afirmar que os estudos dos média e da cultura têm sido hoje profusamente filtrados por uma lente feminista que revela os seus ofuscantes estereótipos, binarismos e exclusões mas que também expõe as suas mais tremulantes brechas de resistência, ambiguidade e de diálogo (Álvares, 2012;Cabrera et al., 2016; Cascais, 2014;Cerqueira et al., 2016;Cerqueira & Magalhães, 2017;Martins et al., 2015;Pinto-Coelho & Mota-Ribeiro, 2012;Santos et al., 2015;Silveirinha, 2015).1 Agradecemos sinceramente a todas/os revisoras/es deste número da Comunicação e Sociedade, sem as/os quais o presente volume temático não poderia ser editado.