Dormir, comer e falar: enlaçamento simbólico

Abstract

O sono, a alimentação e a linguagem são pilares da vida saudável das crianças, estão entrelaçados desde o nascimento e compõem a estrutura dinâmica do desenvolvimento infantil. São efeitos de condições interdependentes: orgânicas, psíquicas e sociais, que envolvem a criança e resultam, simultaneamente, de heranças orgânica e simbólica. Essa última sobredetermina e modula a interação da criança com o ambiente, especialmente, com o outro humano que ali estiver. Essa herança desenhará padrões de conduta e comportamento que, muitas vezes, podem concorrer para alterações que comprometam, em alguma medida, o desenvolvimento geral da criança. Na clínica infantil, a descrição dos quadros de transtornos do desenvolvimento, dos mais leves aos mais severos inclui, via de regra, aspectos alimentares, de sono e de linguagem, o que sugere, então, uma tríade de base, interrogando os clínicos quanto à possibilidade de aí haver, mais do que uma simples coincidência, uma correlação entre funções biológicas fundamentais. Se é assim, será importante o clínico se apropriar dessa perspectiva, uma vez que a implicação provavelmente determinará particularidades nas condutas de diagnóstico e de tratamento. Nessa direção, vale aprofundar e discutir o desenvolvimento dessas funções (sono, alimentação, linguagem), buscando esclarecer sua correlação constitutiva, o enlaçamento entre elas.

Memórias maternas de cenas alimentares

“…Em realidade, importa discriminar a função biológica da maternidade das funções de maternagem, essas culturalmente constituídas e, portanto, funções simbolicamente elaboradas. Quer dizer, alimentar a criança não é algo instintivo, é cena de maternagem que inaugura a relação da mãe com seu bebê, absolutamente condicional, e se compõe contingência de base para a constituição subjetiva do bebê e reelaboração subjetiva da mãe 2,6 .…”

“…Estudiosos do desenvolvimento infantil, reconhecendo a natureza simbólica desta cena, apontam a mútua constituição da linguagem e da alimentação e o papel fundamental da mãe 2,6 . Na década passada, alguns clínicos e estudiosos observaram que crianças com problemas de linguagem (desde pequenos e passageiros problemas articulatórios até a ausência de oralidade) apresentavam, também, problemas de alimentação (desde idiossincrasias alimentares até graves disfagias).…”

“…Na década passada, alguns clínicos e estudiosos observaram que crianças com problemas de linguagem (desde pequenos e passageiros problemas articulatórios até a ausência de oralidade) apresentavam, também, problemas de alimentação (desde idiossincrasias alimentares até graves disfagias). A novidade da observação não se devia ao fato de terem identificado uma coincidência sintomatológica na presença de uma somatória de problemas, mas, diversamente, uma co-ocorrência substancial, indicadora de uma questão simbólica de base 2,9,10,11 . Enfim, falar e comer são funções implicadas entre si que se constituem na interação entre a mãe e sua criança.…”

“…Mas, as percepções e os sentimentos maternos na cena alimentar restam pouco explorados. Dada a natureza simbólica da alimentação, cena que se desenrola entre a criança e sua mãe cotidianamente, é importante descrever o que se passa no lado materno que também pode gerar impasses com repercussões na constituição da subjetividade infantil 2 e na subjetividade da própria mãe, repercutindo em toda a história alimentar e de linguagem do sujeito 1,2 .…”

“…Estudos deste tipo são fundamentais e colaboram de modo importante com os clínicos, no seu exercício cotidiano com seus pacientes. Porém, o que resta pouco investigado são as percepções e sentimentos maternos na cena alimentar vinculados à sua posição de provedora, lugar constituído por fatores diversos em sua natureza e que determinam seus gestos ao alimentar sua criança 2 .…”