Desafios e avanços na governança das águas: apontamentos da literatura sobre a gestão descentralizada de recursos hídricos no Brasil

Abstract

O debate sobre os recursos hídricos no Brasil tem se consolidado como um tema relevante para as ciências sociais. Ao longo das últimas décadas a gestão descentralizada das águas e a inclusão da sociedade civil nas arenas de decisão sobre os recursos hídricos reconfiguraram o modelo de gestão em escala nacional. Uma série de reflexões tem acompanhado este processo e neste artigo foram selecionadas algumas investigações elaboradas que dialogam com a abordagem sociológica. Buscou-se realizar uma breve contextualização histórica sobre a gestão dos recursos hídricos no país, descrevendo os principais elementos que caracterizam o modelo atual. Em seguida, foram expostos alguns trabalhos de diversos autores e autoras que se dedicaram à análise da estrutura descentralizada da governança das águas no Brasil. Esta apresentação identificou alguns dos temas em pauta presentes no debate sobre esta forma de gestão a partir de uma identificação das principais perspectivas de análise encontradas. A partir da análise desses trabalhos, concluiu-se que embora tal processo possa ser visto por muitos como um avanço para uma maior democratização, críticas bem-estruturadas podem contribuir para o seu avanço. O debate se mostra abrangente e impulsiona o desenvolvimento de novas pesquisas.

O poder da água - A disputa política pelo acesso à água em Ilhabela-SP/Brasil

“…Campos & Fracalanza (2010) também irão ressaltar que, apesar dos novos arranjos institucionais participativos, ainda coexistem os arranjos do antigo modelo de gestão e é verificada uma grande dificuldade para superação dos tipos de relações que foram estabelecidas entre Estado e grupos dominantes. Neste sentido, Espinoza (2013) aponta, a partir de uma revisão de diversas análises do processo de governança e participação na gestão da água, que, mesmo com a descentralização, os CBHs podem estar reproduzindo a dinâmica de relação de poder locais. Valencio (2009) irá apontar que, dentro do processo de ampliação da gestão das águas, ao que se pode chamar de Governança da Água, domina a premissa de que os conflitos seriam um sinal de atraso e obtusidade.…”

“…Esta limitação também pode ser relacionada ao domínio do discurso técnico burocrático sobre outras formas de discurso, que irão determinar o que é aceito e legitimado das posições que devem ser marginalizadas. Com isso, apropriações desiguais do recurso, que podem evidenciar as dificuldades de participação nos processos de gestão da água, podem ser identificadas a partir da perspectiva política dos conflitos (ESPINOZA, 2013).…”

“…Outra questão que merece destaque é o apontamento, por alguns atores das coalizões "Técnico Administrativo" e "Político Tecnocrata", e até mesmo um ator da coalizão "Social Participativo", de que compreendem que os espaços do CBHLN são colegiados meramente consultivos, no qual as deliberações não precisam necessariamente ser levadas em conta no processo de tomada de decisão que cabe às suas instituições. Como apontado por Campos & Fracalanza (2010) e Espinoza (2013), os arranjos institucionais participativos coexistem com arranjos do modelo centralizado de gestão, que podem estar reproduzindo as dinâmicas de relação de poder.…”