ESTUDOS AVANÇADOS 20 (56), 2006 205 "...o homem, ali, é ainda um intruso impertinente." (Euclides da Cunha. "Terra sem História (Amazônia)") Para Luiz Dantas NICIO PELO que me parece sempre importante: reconhecer a gênese de um trabalho. Entender de onde vem um trabalho talvez não seja simplesmente reconhecer a fonte de uma inspiração, mas sim entender a nós mesmos diante da fonte; como se todo trabalho fosse no fundo uma reação, de indignação, curiosidade ou simples interesse.Este ensaio é uma pequena reflexão feita a partir de algumas linhas de investigação com que procurei cercar, em pesquisa anterior, uma obra singular, relativamente desconhecida, do visconde de Cairu.Cairu, como se sabe, foi uma personagem importante do cenário político e intelectual brasileiro e luso-brasileiro. Mais conhecido no campo da Economia Política -no qual se concentra sua obra -, foi um dos idealizadores da abertura dos portos em 1808. Posteriormente, já no contexto da Independência, foi um dos principais censores da corte. Correndo o risco da caricatura, Cairu terá sido um dos mais importantes conservadores, ou melhor, reacionários, da história política brasileira.Uma pequena e importante parte de sua obra, entretanto, vem de outro campo: a moral.Cairu situa-se precisamente naquela zona de sombra em que uma ciência da regulação doméstica (a economia) tenta, dramaticamente, emancipar-se de sua origem moral. Recorrendo seguidamente a Adam Smith, é à Teoria dos sentimentos morais que ele se refere, tanto quanto à Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Num importante manual intitulado Constituição moral e deveres do cidadão, publicado entre 1824 e 1825 na Imprensa Régia do Rio de Janeiro (obra curiosamente deixada na sombra por muitos dos comentaristas 1 ), Cairu nos oferece algumas das pedras de toque de um pensamento contra-revolucionário imensamente rico, até mesmo porque prenunciador de uma linhagem de longa duração e muito sucesso na história política e intelectual brasileira. Foi essa obra que, em primeiro lugar, interessou-me. 2 Há, no entanto, uma gênese deste trabalho mais tópica, em todo caso menos tropical, e talvez mais interessante, ou simplesmente curiosa. Tal origem pode levar-nos longe de Cairu, mas talvez valha a pena manter o visconde um pouco a distância, para encontrá-lo rapidamente, e em seguida deixá-lo para trás. Enfim, proponho que nos movimentemos em torno daquilo que Cairu chamaria de homens brutos ou, mais precisamente, semibrutos.Por longo tempo, eu procurava imaginar qual a melhor forma para referirme ao campo unificado da moral e da política no pensamento do visconde de Cairu -a proposição original -, sem no entanto repetir idéias e textos anteriores. A instância por escrever -instância da escrita -vinha me assombrando e foi -aí a gênese -num Museu de História Natural que a idéia se esclareceu, e, talvez não à toa, ela se esclarece com o impacto causado por algumas imagens.Como em todo museu, havia ali, no Museu de História Natural de Nova York, uma história da composição...