IntroduçãoO século XXI tem sido marcado por um aprofundamento dos questionamentos em torno da aliança -que o pós-guerra, ao menos nos países centrais do hemisfério Norte, consagrou como indissolúvel -entre liberalismo e democracia. De fato, o percurso desses dois conceitos políticos tem sido mais ou menos aproximado em diversos momentos da história. Se voltarmos à obra Liberalismo e Democracia de Norberto Bobbio, que permanece até hoje a principal referência de síntese do problema, veremos que o pensador italiano estabelece uma distinção conceitual clara entre os dois. Bobbio afirma que o liberalismo é uma teoria do Estado, Paulo Henrique Paschoeto Cassimiro 250 da institucionalização dos poderes do Estado e de suas limitações, enquanto a democracia é uma forma de governo que estabelece o fundamento do poder não em um nem em poucos, mas na maioria do povo (demos). Assim, "um Estado liberal não é necessariamente democrático: ao contrário, realiza-se historicamente em sociedades nas quais a participação no governo é bastante restrita, limitada às classes possuidoras" (Bobbio, 2013). Ao mesmo tempo, "um governo democrático não dá vida necessariamente a um Estado liberal: ao contrário, o Estado liberal clássico foi posto em crise pelo progressivo processo de democratização produzido pela gradual ampliação do sufrágio" (op. cit., p. 7-8).Para Bobbio, a formulação clássica da diferença entre liberalismo e democracia encontra-se na distinção feita por Benjamin Constant em sua célebre conferência pronunciada no Ateneu Real de Paris em 1819, A Liberdade dos Antigos Comparada à dos Modernos. Para Constant, a liberdade dos antigos caracterizava-se pela participação dos cidadãos em um espaço livre de deliberação, por meio do qual o poder era exercido coletivamente e diretamente. Porém, a liberdade pública não implicava a existência de uma dimensão privada de liberdade. Ao contrário, Constant lembra-nos de que a liberdade de culto, por exemplo, pareceria um crime aos antigos, completando que "mesmo nas coisas que nos parecem as mais fúteis, a autoridade do corpo social se impõe e controla e gera a vontade dos indiví-duos" (Constant, 1997, p. 594). Ao contrário, a liberdade moderna implica justamente o direito de gozar da liberdade na esfera privada, cabendo ao governo garanti-la. A participação direta e universal dos homens acabaria por limitar, ou mesmo destruir, a liberdade individual, exigência incondicional da sociedade moderna. Para Bobbio, o liberalismo de Constant representa uma visão paradigmática da incongruência basilar da diferença fundamental entre esquerda e direita, que ele formulará em uma obra posterior: o acento sobre a igualdade ou sobre a liberdade.Se recorrermos a outra formulação clássica, a de Isaiah Berlin em sua obra Os Dois Conceitos de Liberdade, encontraremos um raciocínio semelhante ao do filósofo italiano. Para Berlin (1969) É certo que Isaiah Berlin e Norberto Bobbio não são pensadores necessariamente antidemocráticos, porém a democracia é pensada por eles no quadro da estrutura jurídico-polític...