Vives ansiando, em maldições e preces, Como se a arder no coração tivesses O tumulto e o clamor de um largo oceano. Pobre, no bem como no mal padeces; E rolando num vórtice insano, Oscilas entre a crença e o desengano, Entre esperanças e desinteresses. Capaz de horrores e de ações sublimes, Não ficas com as virtudes satisfeito, Nem te arrependes, infeliz, dos crimes: E no perpétuo ideal que te devora, Residem juntamente no teu peito Um demônio que ruge e um deus que chora." Olavo Bilac (Dualismo) "Los nadies: los hijos de nadie, los dueños de nada. Los nadies: los ningunos, los ninguneados, corriendo la liebre, muriendo la vida, jodidos, rejodidos: Que non son, aunque sean. Que no hablan idiomas, sino dialectos. Que no profesan religiones, sino supersticiones. Que no hacen arte, sino artesanía. Que no pratican cultura, sino folklore. Que no son seres humanos, sino recursos humanos. Que no tienen cara, sino brazos. Que no tienen nombre, sino número. Que no figuran en la historia universal, sino en la crónica roja de la prensa local. Los nadies, que cuestan menos que la bala que los mata". Eduardo Galeano
INTRODUÇÃO
Apresentação do temaO modelo jurídico 1 da reincidência talvez seja, em termos acadêmicos, dos mais ricos de todo o Direito Penal. E, curiosamente, talvez isso se dê em razão de que cada recaída no crime, após a intervenção punitiva do Estado, representa um símbolo do fracasso de todo o sistema penal. Mas esta não é a única razão da riqueza do tema, embora seja das mais marcantes.De fato, habitam o âmago da reincidência, às escâncaras ou veladamente, seculares questões filosóficas, sociológicas e jurídicas, olvidadas sempre que ocorre a aplicação mecânica, acrítica, do art. 63 do Código Penal brasileiro e dos demais dispositivos penais e processuais que tratam do tema.Falar de reincidência implica tratar, antes de tudo, da própria natureza humana, do antigo dualismo entre o bem e o mal. Os maus -os "anormais" de Foucault 2 -marcaram profunda e historicamente o inconsciente popular enquanto "violadores congênitos das regras morais" e, desde logo, as sociedades houveram por bem identificá-los e "tratá-los"médica e/ou penalmente, sempre em "instituições totais", apartadas do resto da sociedade.Aos poucos, contudo, percebeu-se a impossibilidade de se aprisionar a existência humana no mundo em categorias estanques e a ingenuidade de se classificar -rotular -os homens em bons ou maus. Mas a eterna busca por segurança nas relações humanas, contemporaneamente aguçada pela noção de "sociedade de risco", parece fazer reviver o antigo dualismo e a imagem de guerra interna na sociedade, o que fornece um rico pano de fundo para o estudo que ora se propõe.Em termos estritamente técnico-jurídicos, a questão da reincidência traz em seu bojo a discussão, quiçá a mais fundamental da ciência penal, sobre o conceito de 1 Cf. M. REALE, os modelos jurídicos fazem parte da experiência jurídica como projeções das fontes do direito. São de dois tipos: os modelos dogmáticos (de caráter puramente lógico) e os modelos jurídicos es...