ResumoA presente reflexão pretende analisar as relações entre memória e identidade de portugueses colonialistas em África, tal como foram sendo representadas no cinema português até ao final do século XX. Escolhemos cinco dos que nos pareceram os exemplos mais ilustrativos (três longas-metragens de ficção e duas comédias) que representam de forma diversa o modo como os portugueses se foram representando identitariamente, enquanto 'agentes civilizadores' de povos africanos. Com efeito, podemos considerar que a identidade cultural do português em África, tal como ela é representada no cinema português durante o século XX, passa por três momentos distintos: uma primeira fase, que designaremos por 'A invenção de um Império', uma segunda fase, que intitulamos 'Um colonialismo à portuguesa', e um último momento que, genericamente, designarmos com a expressão 'Exilados de sítio nenhum'. Na parte final deste estudo discutiremos a possibilidade de compreensão das memórias e identidades coloniais e pós-coloniais, a partir de uma gama muito diversa de modalidades relacionais entre o Eu e o Outro, as quais exigem a contínua (re)construção de memórias e identidades, num quadro de exercício de liberdade individual e coletiva: uma tarefa de Sísifo, infinita por natureza.
Palavras-chaveIdentidade; cinema; colonialismo; descolonização; pós-colonialismo
IntroduçãoLonge de ser um repositório estático de informações, a memória é um dos elementos fundamentais na constituição das identidades, quer individuais quer coletivas. Poderíamos mesmo dizer que ambas se alimentam (e retro-alimentam) uma da outra, convocando-se ciclicamente em tarefas de reconstrução de sentido (Candau, 1996).Um tal trabalho constitui, em última análise, uma tarefa de Sísifo, à semelhança do que acontece com a constituição do sujeito autónomo e de comunidades livres e autodeterminadas (Martins, 1996). Mas a memória trabalha não só com a identidade própria como também com a identidade do Outro, que lhe é consubstancial, mediando, regulando, pesando e, frequentemente, legitimando e estabilizando (também retroativamente) as relações de força que se estabelecem entre os sujeitos e os povos. São múltiplas as produções culturais que expressam, em linguagens e registos que lhe são próprios, essas relações, quer de forma direta quer indireta. Por vezes questionam-nas, outras vezes, fundamentam-nas e naturalizam-nas, seja esse ou não o seu propósito (Cabecinhas, 2007).Uma das mais impressionantes tarefas de manipulação da identidade e da memó-ria próprias (e imediatamente da identidade e da memória do Outro) foi o processo de