Os resultados confirmam a suspeita de que às vítimas pobres são dedicadas atenções mínimas, ao passo que aos indivíduos melhor situados social e economicamente é ampliada a cura jornalística, conferindo-se um esforço desproporcional na representação de eventos que retratam uma mesma e grave questão social. A aplicação dessa espécie de regra implícita nas rotinas de produção da notícia deve ser debitada à forma com que se dá a banalização da violência em sua dimensão ideológica. É banal, natural, esperada quando praticada por indivíduos considerados pela ordem estabelecida como supérfluos e quando os mesmos vitimam outros sujeitos igualmente desnecessários à referida ordem. Convém recordar que a violência que mata em nossa sociedade tem, prioritariamente, como autor e vítima indivíduos que têm o perfil anteriormente indicado.Ao oferecer evidências de que os meios estudados espelham, em grande escala, a perspectiva ideológica anteriormente assinalada, a autora cobra, indiretamente, um papel da empresa jornalística e do profissional de jornalismo. Desse modo, retira seu trabalho do terreno da constatação para inseri-lo no das provas de que é necessária uma atuação midiática responsável e condizente com o papel desempenhado pelo campo da comunicação na atualidade. Neste sentido, pode-se conferir à pesquisa um cunho político, na condição de que a mesma venha a funcionar como pré-texto para o debate e a reflexão sobre as práticas empresariais e profissionais na área da comunicação de massa, especialmente aqueles setores que especulam sobre as ocorrências violentas no mercado midiático, ao lado dos profissionais encarregados da produção dos artefatos comunicacionais no interior desse domínio. Afianço, de modo complementar, que não há, aqui, intenção de purificar ou degradar essa ou aquela instituição, esse ou aquele campo profissional.
Tânia CordeiroNão creio que se possa avançar no debate sobre os direitos -de todos os -humanos (re)produzindo, de modo acrítico, o comportamento de uma sociedade de gavetas, com fronteiras disciplinares, institucionais, corporativas, profissionais, organizacionais, ocupacionais, socioeconômicas e culturais rígi-das que se autoprotegem e atiram, a esmo, pedras.É importante enfatizar, ainda, que o olhar apurado sobre a produção noticiosa relativa a violências levou, inevitavelmente, à rede de micropoderes representada por repórteres e policiais que, como se verá, constroem o noticiário cotidiano sobre o tema. Entretanto, a análise de conteúdo dos jornais não abarca estruturas e mecanismos operacionais desta última categoria profissional, limitando-se a observações decorrentes da intersecção entre os dois campos.Tenho, por força do interesse no binômio comunicação-violências, perscrutado o funcionamento e os problemas do aparelho repressivo deEstado. E penso que é um campo de ação que requer reflexões, especifica- O que há de mais terrível na comunicação é o inconsciente da comunicação.Pierre Bourdieu