A luta contra a Aids: uma causa, múltiplos saberes

Abstract

A Aids, considerada por órgãos internacionais, como a OMS (Organização Mundial da Saúde), um dos maiores problemas de saúde pública mundial, atingiu proporções devastadoras que superaram outras epidemias, tais como a sífilis no final do século XIX e a tuberculose no início do século XX. De início ela colocou em cena um conjunto diverso de atores, dentre os quais se destacaram os especialistas (médicos, cientistas, pesquisadores), os ativistas (lideranças do movimento homossexual) e os grupos dos portadores do vírus. Estes atores adquiriram um papel fundamental, destacando-se na mobilização em torno da doença e na sua definição enquanto um problema público.Diante disso, este artigo analisa, mais especificamente, como no processo de formação de uma coletividade em torno da problemática da Aids, no cenário nacional brasileiro, ativistas e especialistas se manifestaram na definição da doença e nas suas formas de tratamento. Partimos do princípio que nesse processo estes atores expressaram opiniões, discutiram, julgaram, entraram em polêmicas, além de estabelecerem contatos, mobilizarem os já constituídos e instituírem novos vínculos, contribuindo para a formação de uma arena pública em torno do assunto 1 . Um dos problemas centrais que tem sido colocado neste tipo de pesquisa, diz respeito à relação entre os saberes dos especialistas, obtidos pela inserção profissional, e os saberes dos ativistas obtidos pela inserção na esfera da política, como associações, movimentos e grupos. Mais do que concorrenciais, o que alguns estudos têm demonstrado * É doutora em sociologia, professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Sociologia e do Programa de Pós-graduação em Comunicação (UFS, Aracajú/SE), é bolsista produtividade do CNPq e coordenadora o Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP/UFS). f.petrarca@uol.com.br. 1. Segundo Cefai (2002), as arenas públicas se formam em torno do problema e como parte dele, e envolvem as redes dos atores individuais, suas competências e performances, contribuindo para conectar os diferentes mundos sociais.

Carreiras militantes, redes de sociabilidade e formas de engajamento na luta contra AIDS em Sergipe

“…A intensa atuação da mídia nacionalassociando a AIDS aos homossexuais e seus respectivos estilos de vida-tiveram um impacto decisivo nas formas de atuação do movimento homossexual, o qual se tornou um dos principais atores na construção da doença como um problema social. Ao responsabilizar os homossexuais à doença, a mídia contribuiu para organizar a experiência destes protagonistas que se viram no papel de reagir frente às acusações midiáticas (PETRARCA, 2015).…”

“…A pauta do movimento foi afetada pro-fundamente pelo combate à AIDS e voltada à luta por políticas de saúde que prestassem serviços de assistência ao doente e que permitissem um tratamento adequado aos portadores do vírus. Se antes o movimento estava centrado em mobilizações contra o assassinato de homossexuais e em campanhas de conscientização e afirmação dos direitos dos homossexuais, agora suas pautas são completamente absorvidas pela problemática da AIDS (PETRARCA, 2015).…”

“…Esse momento, que podemos demarcar como a segunda fase da luta contra a doença, é marcado pelo intenso investimento do Estado nos movimentos sociais e isto promoveu uma transformação no perfil dos militantes que precisavam se adequar às exigências para concorrer aos editais e obter os financiamentos públicos para seus projetos (PETRARCA, 2015). Dentre essas exigências, estava a capacidade técnica da instituição de contar com profissionais qualificados que podiam assumir os projetos.…”

“…Uma das principais constatações da primeira pesquisa realizada é que a luta contra a AIDS se tornou um caso particular de articulação entre diferentes atributos e ativismo (PETRARCA, 2015). Nela podemos perceber um discurso bastante afiado no que diz respeito ao peso que exercem certas categorias profissionais, como os médicos, por exemplo, e diversos outros profissionais voltados para a área da saúde, assim como também o papel dos ativistas (dos movimentos homossexuais e LGBT) e dos soropositivos, o que torna uma causa peculiar na articulação entre usos do conhecimento e a mobilização.…”

“…Entretanto uma análise dos atores precisa ainda incluir 3 Esta pesquisa, denominada "Atuação Profissional e Engajamento Militante na Defesa de Causas Sociais no Estado de Sergipe" (PETRARCA, 2012), contou com o financiamento do CNPq por meio do edital Universal. Uma versão mais ampla sobre essa pesquisa pode ser encontrada em Petrarca 2013 e 2014 e um estudo sobre a luta contra a AIDS no Brasil pode ser obtida em Petrarca, 2015. um exame do contexto no qual estão inseridos e sua importân-cia para produção de significados. Portanto, os tipos de atores que investem na causa da AIDS, assim como em outras causas sociais, não são definidos por características a priori, mas eles se constituem no curso das suas intervenções públicas e nos contextos de interação nos quais se engajam.…”