A implementação do você no português brasileiro: evidências da língua escrita

Abstract

Este artigo focaliza a variação tu / você em tempo real de média duração (séculos XIX e XX). A proposta é realizar um estudo de painel, na linha laboviana, com base na produção epistolar de duas missivistas cariocas ao longo de suas vidas: juventude, adultez e velhice. Como já apontado por vários autores, o uso de fontes manuscritas, tais como cartas pessoais, desempenha um papel importante na pesquisa sócio-histórica. O objetivo é apontar como e quando teria ocorrido a inserção do você – em sua origem, uma forma de tratamento – no sistema pronominal do português brasileiro, vindo a substituir o tu como sujeito de 2SG. A hipótese inicial reside no fato de que a implementação de você teria uma correlação com o uso de usted, forma resultante de um processo de gramaticalização que se deu mais cedo no espanhol americano do que em português. As generalizações a que podemos chegar são as de que o processo de implementação do você, a julgar pelos dados analisados, se estendeu por, no mínimo, um século; (ii) o uso do você se mostrou quase categórico no final da década de 40 do século XX; e (iii) as duas missivistas encaminham-se em uma mesma direção quanto à implementação da forma pronominal você, embora apresentem distintos padrões de uso, explicáveis, talvez, pelo fato de uma delas ter exercido sua vida religiosa sempre no Brasil (MJ), em redes sociais densas, e a outra (MR), em geral, em outros países, em redes sociais difusas.

A propagação do você pelas estruturas sociais: uma análise linguístico-social entre os séculos XIX e XX.

“…Tendo em vista o contexto de sujeito ter sido a principal porta de acesso assumida pelas formas você e a gente, ao se inserirem no sistema pronominal do PB (Lopes, 1999;Rumeu, 2004Rumeu, , 2013Cavalcante, 2011;Vianna, 2012;Souza, 2012), buscamos descrever analiticamente a alternância tu/você na produção escrita de redatores mineiros nascidos e/ou residentes no espaço de Minas Gerais dos séculos XIX e XX. Para tal, partimos da prevalência do você na fala mineira contemporânea (Coelho, 1999;Herênio, 2006;Peres, 2006;Gonçalves, 2008;Mota, 2008;Silva, 2017;Reis, 2019), ainda que já tenham sido identificadas evidências do tu em localidades específicas do espaço mineiro (São João da Ponte, Ressaquinha, Lontra), conforme discutido, respectivamente, por Mota (2008), Silva (2017) e Reis (2019) e ilustrado na Figura 1.…”

“…Os resultados dos estudos sobre a alternância tu/você têm evidenciado o gradual e paulatino avanço do você, de modo a atingir os mesmos espaços funcionais do tu (Lopes et al, 2009;Rumeu, 2013). Isso posto, passamos à uma breve descrição analítica dos resultados de Souza (2012) e de Souza (2021) em relação à variação tu/você no PB escrito dos séculos XIX e XX (cf.…”

“…• Para a produção escrita dos cariocas, observamos, com base em Souza (2012), a mudança, no início da era novecentista (século XX), do subsistema tu para o subsistema tu/você e, na sequência, para o subsistema você principalmente a partir dos anos 30 e 40 do século XX, corroborando as considerações de Rumeu (2013) também embasadas em missivas históricas cariocas dos séculos XIX e XX;…”

“…A baixíssima produtividade do Vossa Mercê, em tão somente 6,39% dos dados (79/1236) restritos ao século XIX, é compreensível, tendo em vista a celeridade do processo de gramaticalização em questão no PB nos períodos analisados (séculos XIX e XX), conforme Lopes e Rumeu (2007), Rumeu (2013), Faraco (2018, p. 121), Lopes et al (2018), entre outros. De um modo geral, estão em cena o tu e o você que concorrem acirradamente, assumindo índices percentuais de 47,57% (588/1236) e de 46,04% (569/1236) respectivamente.…”