E mbora onipresente nos discursos psicológicos e psicanalíticos, o conceito de experiência tem sido relativamente pouco explicitado e discutido pela psicanálise. De fato, repensar o estatuto da experiência a partir da dimensão do inconsciente é um desafio considerável. Thompson (1) acredita que os pós-freudianos praticamente expurgaram a noção de experiência de suas respectivas teorias, tomando-a como uma evidência secundária -apesar de, como nos lembra, muitos psicanalistas incluírem o termo nos títulos de suas obras, a exemplo de Wilfred Bion (Learning from experience, 1962) e Thomas Ogden (The primitive edge of experience, 1989). Em que pese o exagero dessa tese, é possível afirmar que resta ainda muito a explorar no campo dos estudos psicanalíticos sobre a experiência; o ângulo privilegiado da prática clínica bem como os diversos modelos metapsicológicos atualmente disponíveis podem contribuir de modo significativo tanto para a reflexão sobre o estatuto da experiência como fenômeno, quanto para as discussões sobre a noção de experiência.O assunto é abordado com mais recorrência no âmbito da psicologia. Desde os primórdios da psicologia científica a investigação da experiência elementar do sujeito pelo método da introspecção experimental reside no centro dos interesses de Wundt e seus sucessores. Um rápido olhar para a recente produção brasileira nesta área identifica trabalhos importantes, entre os quais os de Marina Massimi e Miguel Mahfoud (2). Alocados no campo da história da psicologia, têm como intuito percorrer as definições de experiência que influenciaram a constituição dos saberes psicológicos, bem como questionar concepções reducionistas a partir da fenomenologia de Husserl, que repõe os laços entre experiência e pessoa.A psicanálise marca um ponto de inflexão na história das teorizações sobre a experiência. Afinal, a postulação freudiana do inconsciente coloca em questão o próprio sujeito da experiência tal como abordado, até então, pela tradição filosófica. Segundo Giorgio Agamben, a noção de inconsciente sinaliza o ápice da crise do conceito moderno de experiência, fundado sobre o sujeito cartesiano. "Como manifesta claramente a sua atribuição a uma terceira pessoa, a um es, a experiência inconsciente não é, de fato, uma experiência subjetiva, não é uma experiência do eu. Do ponto de vista kantiano, não se pode dizer nem ao menos uma experiência, pois falta aquela unidade sintética da consciência (a autoconsciência) que é o fundamento e a garantia de toda experiência. Todavia, a psicanálise mostra-nos precisamente que as experiências mais importantes são aquelas que não pertencem ao sujeito, mas a 'aquilo' (es)" (3).