Se por um lado são evidentes os efeitos da pandemia de COVID-19 no que diz respeito ao acirramento das desigualdades sociais, por outro, é preciso também trazer à tona as organizações populares que ganharam força nesse triste período. Trata-se de agenciamentos locais auto-organizados como cozinhas e hortas comunitárias, associações de moradores, brigadas sanitárias e outras experiências que demonstram que o fazer política é muito mais que simplesmente ir votar a cada dois anos. Tais práticas espaciais conferem a existência do que Henri Lefebvre (2013) denomina como “espaço diferencial”, espaços de uso, ao mesmo tempo resíduo da cotidianidade hegemônica e resistência a ela. Enquanto lugares de experimentação, também se relacionam com o que Stavrides (2016) propõe como "thresholds”, ou portais nos quais permite-se a emergência do comum. O presente artigo apresenta esses conceitos enquanto chaves de leitura para compreender as ações de cozinhas comunitárias de Curitiba durante o ano de 2020 e 2021, em especial a mantida pelo coletivo Marmitas da Terra, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, e pretende analisar como esses espaços podem colaborar para a emergência de práticas e fazeres comuns dentro da vida cotidiana da cidade.