APRESENTAÇÃOEste livro foi originalmente apresentado como tese de doutorado em Saúde Pú-blica, na Escola Nacional de Saúde Pública, em maio de 1996. Em certo sentido, representa uma síntese de minha trajetória profissional até então, na medida em que, durante a sua realização, pude encontrar elos entre abordagens pelas quais havia manifestado interesse anteriormente, e que me pareciam díspares. A perspectiva trans¬ disciplinar tornou-se necessária no decorrer da construção da pesquisa, pois não foi possível circunscrever seu objeto específico às fronteiras disciplinares estabelecidas.Outro ponto de vista presente neste trabalho é que a metodologia que construí-mos diz respeito também a articulações simbólicas, visto que as aproximações realizadas em uma investigação não são apenas fruto de opções racionais. Esta concepção estende-se à própria compreensão do processo de geração dos conceitos científicos, pois estes, além de uma forma de buscar encontrar modos racionais de lidar com o desconhecido, também são elaborações simbólicas e produzem significados. 'Transmissão' é, portanto, também aqui pensada como construção referida a uma experiência originária -o medo do contato -que se relaciona à percepção do contágio.A percepção do contágio refere-se à sensação de que o outro representa fonte de perigo. Porém, o sentimento de ameaça, que está na base dessa experiência, convive com a circunstância de que a relação com o outro é necessária ou mesmo primordial, o que remete a uma condição paradoxal.O pânico provocado pela vivência das epidemias esteve relacionado a atitudes obscurantistas e irracionais de rejeição e a construção do conceito de transmissão, sem dúvida, alcançou formas racionais mais elaboradas de lidar com o medo. O conhecimento científico, no entanto, constituiu-se mediante pólos e oposições, orien¬ tando-se por valores como controle, proteção, ordem e segurança.Hoje vislumbra-se a necessidade de uma concepção que se coloque em uma perspectiva mais complexa. Reivindica-se alcançar formas mais elaboradas de lidar não com oposições mas com o paradoxo, superando o ponto de vista da polaridade.A necessidade de saber como fluir entre forças de fechamento e abertura e de conviver com a simultaneidade é uma questão já colocada pelo discurso recente da biologia. Outro exemplo é a emergência da pandemia de AIDS, que vem impelindo a sociedade a enfrentar incertezas que as práticas instituídas através do conceito de transmissão não são capazes de resolver. Afirma-se cada vez mais que intervir no processo de propagação da AIDS não diz respeito somente ao seu controle, mas a uma questão eminentemente ética.Apresenta-se assim neste livro, por um lado, uma dimensão epistemológica onde se situam as características discursivas e os valores contidos nas teorias produzidas no decorrer da história a respeito da propagação das doenças epidêmicas, assim como a emergência da epidemiologia como disciplina de estrutura científica. Por outro lado, ressalta-se a dimensão cultural na qual a gênese do conceito de transmissão é ana...