Estudos antropológicos e em etnociências sobre agriculturas indígenas ou tradicionais tiveram um papel determinante no olhar das sociedades ocidentais sobre a floresta amazônica. Longe de ser um espaço 'virgem', intocado, 'natural', a floresta amazônica é reconhecida como floresta antrópica, na construção da qual os povos indígenas tiveram, e têm, um papel chave. Nessa perspectiva, lembramos, em particular, dos trabalhos de Darrell Posey entre os Kayapó, povo de língua Jê que habita no rio Xingu, e de William Balée entre os Ka'apor, povo de língua Tupi que habita na região do rio Gurupi, como referências essenciais para a temática que nos interessa. Ambos os pesquisadores foram acolhidos no Museu Paraense Emílio Goeldi durante as suas principais pesquisas 1 . O convite do Editor Científico do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas para organizarmos o presente dossiê, "Agriculturas Amazônicas", reforça essa 'tradição' científica da instituição, que continua vigente e pode ser observada em outros dossiês temáticos 2 . Apesar dos fatores de mudança atuais na Amazônia (pressão fundiária, frentes de colonização e de desmatamento, expansão demográfica, urbanização, migrações, articulação ao mercado, entre outros), os sistemas agrícolas tradicionais continuam extremamente eficientes, garantindo, até hoje, a subsistência de uma população crescente e a preservação de um patrimônio cultural e genético cuja importância ainda é pouco reconhecida. Os trabalhos reunidos aqui testemunham a diversidade e a complexidade de tais sistemas agrícolas e evidenciam a importância dos povos indígenas e das populações tradicionais no manejo, na conservação e na construção da biodiversidade e agrobiodiversidade amazônicas. Também procuram discutir os atuais desafios na busca de alternativas sustentáveis capazes de valorizar a multiplicidade de agriculturas amazônicas e avaliar as ferramentas jurídicas, econômicas ou culturais que podem contribuir para valorizar e proteger os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e agrobiodiversidade. A maioria dos autores privilegiou métodos de trabalho que combinam levantamentos quantitativos e qualitativos, utilizando ferramentas adaptadas de várias disciplinas e desenvolvendo pesquisas de campo na escala das comunidades.O primeiro artigo nos leva ao mundo sumamente complexo das relações técnicas e simbólicas que os Jodï, povo indígena da Amazônia venezuelana, desenvolvem com o seu entorno vegetal. Após descreverem o 'estado da arte' sobre coletores e cultivadores de florestas tropicais, Stanford Zent e Eglée Zent questionam, e logo derrubam com argumentos etnográficos, analíticos e quantitativos inspirados nos Jodï, diversos preconceitos habitualmente associados aos sistemas de cultivo tradicionais, e mais especificamente indígenas. Com técnicas que variam de acordo com os lugares cultivados na floresta, e também com as prioridades e com a mobilidade dos grupos, os Jodï manejam uma grande diversidade específica e varietal de plantas cultivadas e semidomesticadas. A e...