Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas me parece mais uma "travessura" de nosso amigo Gastão Wagner...Que não se chateie o autor e tampouco seus muitos amigos e admiradores, entre os quais me incluo. Mas devo admitir que toda vez que leio algo deste estimado sujeito acabo com uma sensação de ser cúmplice de uma autêntica travessura, dada a maneira lúdica com que nos oferece suas palavras, suas imagens e suas idéias. Gastão, afinal, é um escritor -não meramente um escriba de artigos, teses e relatórios, como tantos outros de nós -mas um criador de novelas, romances, quem sabe até de poesia. Vai uma ponta de inveja neste comentário, também.Travessuras são jogos. Às vezes mostram o que apenas parece; às vezes escondem o que é de fato. Jogos de espelhos, labirintos, provocando ilusões óticas e filosóficas.Vamos ao texto. O autor se revela, por vezes, nostálgico daqueles anos de desenvolvimento teórico da saúde coletiva, época de incorporação de uma sofisticada trama de categorias sociológicas, sucedido, malgrado seu, nos anos 90, por um pensamento sistêmico bastante pragmático e instrumental. Mas, o que é isso, companheiro: afinal não logramos escapar, pela luta, das trincheiras da resistência ao arbí-trio, das visões dicotomizadas de mundo, que você muito bem critica mais adiante no mesmo texto? Foi assim que demos de cara com a realidade, inclusive com a realidade amarga (para alguns) de se construir de forma pragmática e instrumental aquele sistema de saú-de pelo qual pugnamos em outros anos. Fazer o quê?No mesmo tom, embora mais atenuado, o objetivismo da saúde coletiva contemporânea é deplorado. Mas o autor mesmo se encarrega de nos animar face a mais esta cruz que temos que carregar: afinal, ele nos lembra, ainda é insuficiente o pensamento social incorporado à nossa disciplina e há forças ocultas, Sim, como quer GW, a salvação é possível e passa por libertar este campo de saberes e de práticas da carga positivista, objetivista, instrumental que o ofusca e o ofende. Que saúde coletiva passe a ser um saber (entre outros) sobre a produção de saúde e de doença, afastando-se da ridícula arrogância de querer ser "o Saber". Mas esta declaração quase franciscana de humildade intelectual não encontra eco em outros momentos da dèmarche gastoniana, por exemplo, quando sonha com um campo de conhecimentos e de práticas que produzisse não objetos/sujeitados, mas Seres com potencial para pensar e mais, que pudesse multiplicar as possibilidades de uma vida livre para as pessoas, cabendo a seus membros, ainda, argüir contra os economistas e os políticos, trabalhando com autonomia relativa em relação ao Estado, aos partidos políticos, às ideologias e outras racionalidades técnicas. Uma saúde pública que desejasse, enfim, diminuir o coeficiente de alienação das pessoas. Uma missão, enfim, para um personagem certo. Convoquemo-lo: shazam! O fato é que, contraditoriamente, aquela transcendência pretendida pela saúde pública tradicional, com todo seu viés autoritário, excludente, instrumental etc. fica...