Heloisa Buarque de AlmeidaO que levaria um antropólogo conhecedor das vicissitudes e dos problemas de se falar da intimidade da vida alheia a pesquisar sua própria família? O que levaria então dois deles a fazer essa empreitada conjuntamente? Essa é certamente a primeira questão que vem à mente ao nos depararmos com o livro premiado pela Anpocs em 2009: Três famílias: identidades e trajetórias transgeracionais nas classes populares. Luiz Fernando Dias Duarte, professor do Museu Nacional, com um trabalho bastante reconhecido com famílias de classe trabalhadora, e Edlaine de Campos Gomes, então pesquisadora do Cebrap e agora professora da UFRJ, com estudos sobre religião, unem-se numa proposta muito particular e mesmo incomum. Não é surpresa que se inspirem na proposta de "história de família" como método proposto por um artigo 1 citado logo no início do livro. O surpreendente aqui é a seleção das famílias. Os autores tomam três famílias -os Costa, família que Duarte acompanha há trinta anos em suas pesquisas, os Duarte, família paterna do autor, e os Campos, família materna da autora -, e a partir das histórias dessas famílias fazem reflexões antropológicas sobre relações familiares, arranjos domésticos, religião e conversões, identidades e transformações de uma geração para a outra. O único tema não explicitado no título do livro que merece destaque é a religião.O capítulo inicial logo responde à questão. Edlaine sempre foi pesquisadora de seu próprio contexto social -aluna da universidade federal, oriunda de camadas populares e da Baixada Fluminense, tornou-se informante e mesmo assistente de pesquisa sobre as periferias urbanas e a expansão do pentecostalismo. Seu aprendizado de reflexão social era, assim, dedicado a um mundo que ela conhecia de perto e do qual, contudo, ao caminhar na sua formação profissional, se distanciava cada vez mais.Com uma trajetória incomum naquele contexto social, resultante de um casal que incentivou os filhos a estudar, termina por se reaproximar da família extensa em movimento gerado pela pesquisa e pela percepção de que tinha, ali mesmo, "em casa", casos exemplares de trajetórias de conversão ao pentecostalismo. Com esse foco em mente, a autora passou a participar muito mais assiduamente de festas e momentos de congraçamento com os parentes, e a própria motivação da pesquisa gerou novas formas de se relacionar com eles. No grupo de pesquisa, a reflexão de Edlaine Gomes levou Luiz Fernando Duarte a rever a trajetória de sua família paterna, descobrindo então que se tratava de uma família oriunda, muito mais do que ele pensava, das classes populares. Em sua análise, há certo deslocamento temporal, e mais referência ao passado do que a situações contemporâneas. Certamente foi uma escolha de Duarte para preservar a intimidade atual da família. O autor procura também tratar dos mesmos temas que Edlaine desenvolve. A terceira família, dos Costa, apesar de não ser parente de nenhum dos autores, é uma família que Duarte tem bastante intimidade por ser parte de suas pesquisas de campo há...