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À primeira vista, Dom Casmurro (1900) parece um retrato intimista de um bacharel aposentado, Bento Santiago, que narra a história de sua vida, marcada pelo amor de juventude. Amor que muda os rumos do rapaz prometido ao sacerdócio, torna-o um pater familias, mas também o precipita na tragédia de uma dupla traição: por Capitu, sua esposa, com seu melhor amigo, Escobar. Ao contrário do que parece, a análise desse triângulo amoroso permite RICHARD MISKOLCI 548 Estudos Feministas, Florianópolis, 17(2): 547-567, maio-agosto/2009 compreender processos sociais amplos, em particular a emergência de uma nova ordem da sexualidade na sociedade brasileira de fins do XIX.O título deste artigo 1 se inspira na longa tradição de estudos sobre a obra de Machado que utilizaram o triângulo como figura geométrica privilegiada para compreender a estrutura social, sua organização e injustiças. Raymundo Faoro, em Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, 2 apresentou a centralidade do motivo da ascensão social das protagonistas dos romances machadianos, as quais tinham quase sempre o casamento como trapézio para escalar a pirâmide social.3 Roberto Schwarz, e mais recentemente Sidney Chalhoub, aprofundaram com mestria essa perspectiva analítica centrada nas classes.Aqui, o triângulo não será compreendido como pirâmide social, antes como uma relação amorosa em que a base mantinha afastado e apartado o vértice: as identidades e relações invisibilizadas pela decadente ordem imperial assim como pela burguesia ascendente. O texto procurará mostrar como outras segregações se cruzavam com as econômicas e como estas, relativas à sexualidade e ao gênero, têm relação direta com a estrutura das relações de poder na sociedade brasileira da segunda metade do século XIX. De forma sintética, tentará responder a uma única questão: qual é a base e qual é o vértice inaceitável do triângulo amoroso mais famoso de nossa literatura oculta? Dom Casmurro é um objeto privilegiado de investigação por retratar um momento crucial de transformação da sociedade brasileira. Em uma perspectiva sociológica informada pelos desdobramentos contemporâneos dos Estudos Culturais, encontramos elementos analíticos para explorar uma esfera das relações sociais que -se não foi completamente negligenciadaapenas recentemente teve reconhecida sua importância para compreender relações de poder e hierarquias de cunho não econômico. 4 O foco em uma obra literária para um empreendimento sociológico se justifica, também, por se tratar de um romance social e documento de maior relevância devido ao período em que foi escrito. Sem um campo intelectual autônomo já constituído, a literatura do final do século XIX tinha papel diferente do que possui em nossos dias. É por meio das letras que podemos acessar um verdadeiro arquivo sobre questões e polêmicas da época, em especial as referentes ao mundo da vida privada. Há duas décadas, Peter Fry 5 já observava a centralidade dos romances desse período para explorar "representações sobre a marginalidade social discordante [...] Raymund...
À primeira vista, Dom Casmurro (1900) parece um retrato intimista de um bacharel aposentado, Bento Santiago, que narra a história de sua vida, marcada pelo amor de juventude. Amor que muda os rumos do rapaz prometido ao sacerdócio, torna-o um pater familias, mas também o precipita na tragédia de uma dupla traição: por Capitu, sua esposa, com seu melhor amigo, Escobar. Ao contrário do que parece, a análise desse triângulo amoroso permite RICHARD MISKOLCI 548 Estudos Feministas, Florianópolis, 17(2): 547-567, maio-agosto/2009 compreender processos sociais amplos, em particular a emergência de uma nova ordem da sexualidade na sociedade brasileira de fins do XIX.O título deste artigo 1 se inspira na longa tradição de estudos sobre a obra de Machado que utilizaram o triângulo como figura geométrica privilegiada para compreender a estrutura social, sua organização e injustiças. Raymundo Faoro, em Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, 2 apresentou a centralidade do motivo da ascensão social das protagonistas dos romances machadianos, as quais tinham quase sempre o casamento como trapézio para escalar a pirâmide social.3 Roberto Schwarz, e mais recentemente Sidney Chalhoub, aprofundaram com mestria essa perspectiva analítica centrada nas classes.Aqui, o triângulo não será compreendido como pirâmide social, antes como uma relação amorosa em que a base mantinha afastado e apartado o vértice: as identidades e relações invisibilizadas pela decadente ordem imperial assim como pela burguesia ascendente. O texto procurará mostrar como outras segregações se cruzavam com as econômicas e como estas, relativas à sexualidade e ao gênero, têm relação direta com a estrutura das relações de poder na sociedade brasileira da segunda metade do século XIX. De forma sintética, tentará responder a uma única questão: qual é a base e qual é o vértice inaceitável do triângulo amoroso mais famoso de nossa literatura oculta? Dom Casmurro é um objeto privilegiado de investigação por retratar um momento crucial de transformação da sociedade brasileira. Em uma perspectiva sociológica informada pelos desdobramentos contemporâneos dos Estudos Culturais, encontramos elementos analíticos para explorar uma esfera das relações sociais que -se não foi completamente negligenciadaapenas recentemente teve reconhecida sua importância para compreender relações de poder e hierarquias de cunho não econômico. 4 O foco em uma obra literária para um empreendimento sociológico se justifica, também, por se tratar de um romance social e documento de maior relevância devido ao período em que foi escrito. Sem um campo intelectual autônomo já constituído, a literatura do final do século XIX tinha papel diferente do que possui em nossos dias. É por meio das letras que podemos acessar um verdadeiro arquivo sobre questões e polêmicas da época, em especial as referentes ao mundo da vida privada. Há duas décadas, Peter Fry 5 já observava a centralidade dos romances desse período para explorar "representações sobre a marginalidade social discordante [...] Raymund...
O artigo discute visões distintas sobre o papel do intelectual na sociedade brasileira de fins do século XIX, apartir da polêmica entre Machado de Assis e Silvio Romero. A ênfase está na condição de nossos pensadores em meio à ausência de um campo intelectual autônomo e, em especial, na visão de Machado sobre o intelectual. Concluímos com uma análise da condição de Machado como um outsider estabelecido, posição que marcou sua crítica aos "homens de ciência" e sua resistência às idéias hegemônicas em seu tempo.
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