Discutir o impacto do feminismo nas pesquisas no campo das Ciências Sociais, além de ser um desafio enorme, resgata a relação desse movimento com o conhecimento científico, dando-lhe os créditos devidos. 1 De que lugar penso essa relação? Do lugar de pesquisadora e ativista que busca situar-se dentro de um movimento intelectual e político no campo de um dos mais importantes movimentos sociais do século XX que é o feminismo.A relação entre o feminismo e a construção do conhecimento situa-se na concepção de que o método é o exercício reflexivo de apreensão de uma dada realidade ou a expressão da relação sujeito/objeto expressa na maneira como o/a pesquisador/a enquadra a realidade e nela se enquadra. Nessa linha de pensamento, as pesquisadoras feministas trouxeram para as Ciências Humanas a dimensão do cotidiano, isto é, as diferentes experiências das mulheres, com suas histórias de vida marcadas pelos lugares no(s) mundos(s) do trabalho e pela vida sexual e reprodutiva.Nesse diálogo crítico que as pesquisadoras feministas vêm travando no campo das Ciências Humanas, considero útil e apropriado trazer uma citação de uma 1 Texto apresentado na mesaredonda "A contribuição do pensamento feminista às pesquisas sociológicas contemporâneas", no Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Sociologia -SBS, em Belo Horizonte, de 31 maio a 3 junho de 2005. ELEONORA MENICUCCI DE OLIVEIRA 230 Estudos Feministas, Florianópolis, 16(1): 229-245, janeiro-abril/2008 3 Pierre BOURDIEU, 1983, p. 21. teórica feminista italiana da contemporaneidade para iluminar essa reflexão: Laura Terragni diz que a crítica feminista contra a sociologia " [...] deu-se pelo fato que esta operou através de categorias de pensamento masculinas, usadas de modo acrítico, excluindo da própria perspectiva de análise a experiência social das mulheres ou, no caso, observando-a através de 'lentes' culturalmente distorcidas".
2O feminismo como um campo de estudo que trafega indubitavelmente entre o cotidiano macro e micro das mulheres resgata a arte de dialogar para operar no processo de construção e desconstrução do conhecimento. Para tanto, utilizo como referência a noção de Pierre Bourdieu sobre o campo como algo que "[...] é em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de construção do objeto que vai comandar "ou orientar" todas as opções práticas da pesquisa", 3 que funciona como um sinal sempre em vermelho apontando para a não fixidez do objeto, pois esse nunca está sozinho nem fixo, está num conjunto de relações. Para o autor, o real não é real enquanto não estiver relacionado com as incertezas históricas, sociais, políticas, de gênero e raça. Os fenômenos se configuram como realidades para os/as pesquisadores/as a partir do momento em que se tornam problematizados. É o caso dos estudos feministas e de gênero, que problematizam o caráter aparentemente assexuado das relações sociais, mostrando as assimetrias de poder, seja no plano macro, seja no micro, entendendo que os seus próprios objetos são construídos através de prática...