pouco mais de três anos, comentávamos sobre a importância do Estado Laico não apenas para a democracia e liberdade de culto, mas até mesmo para a saúde (CAMARGO JR, 2014), tomando como um dos exemplos dos problemas gerados pela indevida interferência de normas religiosas na vida pública a infeliz coincidência de duas mulheres jovens terem sido vítimas fatais de abortos clandestinos num curto espaço de tempo.Naquele mesmo ano, elegeu-se um dos congressos mais conservadores da história do país, com bancadas representando lobbies diversos sem maior conexão com a vontade popular, que veio patrocinando, desde sua posse, uma série de medidas que configuram retrocesso jamais visto em tempos democráticos na nossa história.A famigerada Emenda Constitucional n o 95/2016, absurdo congelamento do orçamento nacional em nome da já denunciada "austeridade", a virtual destruição dos direitos trabalhistas, o triste espetáculo da baixa negociação política em troca da desconsideração de denúncias graves e factualmente embasadas são mais uma "página infeliz da nossa história", evocando um de nossos maiores compositores.A esse quadro de retrocesso amplo, intenso, sem limites, veio recentemente acrescentar-se o episódio da inclusão sub-reptícia em uma emenda constitucional não relacionada ao tema (PEC 181/2011), de linguagem que efetivamente torna o aborto ilegal, mesmo nas limitadas circunstâncias ora permitidas pela legislação brasileira. O escárnio de 18 homens decidirem unilateralmente sobre assunto que toca diretamente a direitos essenciais das mulheres é mais um exemplo eloquente da deterioração da representação e da atividade políticas em nosso meio.Não é necessário especular as consequências da restrição completa ao aborto; exemplos abundam em países que adotam legislação desse tipo. Em El Salvador, uma adolescente que engravidou como consequência de estupro foi condenada