BÉRIA, J. U. et al. Epidemiologia do consumo de medicamentos em crianças de centro urbano da região sul do Brasil. Rev. Saúde Publica, 27: 95-104, 1993. Foram investigados os padrões do consumo de medicamentos em uma coorte de 4.746 crianças de Pelotas, RS, Brasil e as influências de variáveis socioeconômicas, biológicas e de utilização de serviços de saúde. O delineamento foi transversal aninhado em estudo longitudinal e o período investigado foi 15 dias. O consumo global alcançou 56% das crianças, sendo mais de 50% em todas as classes sociais. Os medicamentos mais utilizados foram ácido acetil salicílico, vitaminas com sais minerais, associações antigripais, mebendazole e estimulantes do apetite. Mais de 60,0% dos medicamentos eram indicados por médicos (inclusive dipirona e estimulantes do apetite). Os principais motivos do consumo foram gripe, febre e falta de apetite. Ser primogênito foi fator de risco para o consumo. As crianças com pouco apetite na semana anterior consumiam duas vezes mais do que aquelas com bom apetite. É preocupante o alto consumo de aspirina, principalmente devido à associação desse produto com a Síndrome de Reye em crianças. Outro ponto a ser questionado a respeito é a mensagem que talvez inadvertida ou inconscientemente possa estar sendo passada a essas crianças: o consumo de medicamentos é uma rotina e a resposta para qualquer problema. Nesse sentido, parece que se estará preparando o terreno para a dependência de medicamentos e drogas ilícitas.
IntroduçãoCom o acentuado avanço da ciência e da tecnologia em nosso tempo, os medicamentos foram crescendo em seu papel, chegando a constituir um dos principais remédios utilizados para mitigar os muitos tipos de dor a que estamos sujeitos 8 . Os medicamentos transformaram-se, também, em importante mercadoria, movimentando altas cifras anualmente. Em 1985, o mercado de medicamentos movimentou 43 bilhões de dólares. As desigualdades são enormes: 75% da população mundial (países pobres) consumiram somente 21% dos medicamentos utilizados naquele ano. O Brasil, em 1985, era o décimo mercado de medicamentos do mundo, com vendas de 1,4 bilhões de dólares, representando 1,5% do mercado mundial. As indústrias farmacêuticas multinacionais dominam 78% do mercado brasileiro de medicamentos 30 . Quando todo esse aparato científico, tecnológico e econômico é acionado na expectativa de aliviar o sofrimento das crianças, podemos imaginar a complexidade de fatores envolvidos.São escassos os estudos recentes de base populacional sobre o tema. Em geral, apontam para um alto consumo entre crianças e um menor consumo de medicamentos entre os grupos sociais de baixa renda, sendo a maioria dos medicamentos consumidos com indicação médica. Em revisão bibliográfica nos últimos dez anos encontramos apenas três estudos no Brasil com amostra representativa probabilística (Ribeirão Preto e Araraquara em São Paulo e Nova Iguaçu no Rio), nenhum com ênfase específica para o consumo em crianças 3,7,24 . Outro fator relevante do presente estudo é a utilização do conceito ...