IntroduçãoEm "Por uma ciência das obras", Pierre Bourdieu (1997) contrapõe leituras internas e leituras externas das obras científicas e artísticas. As primeiras não fariam qualquer referência aos contextos histórico e social e não poderiam explicar as mudanças estéticas e científicas a não ser pelo recurso à "vontade" de cientistas e artistas. Seriam leituras inférteis porque a-históricas, portanto. Já as leituras externas, realizadas principalmente por autores marxistas, como Lucien Goldmann, apesar de incorporar a história no universo da análise, operam uma redução das obras e dos autores a seus pontos de vista de classe. O problema bourdiano está, portanto, em levar a cabo uma análise que incorpore tanto a estrutura das mensagens científicas e artísticas como a história específica dos campos analisados, o que Bourdieu denomina "espaço de possíveis". Retemos de Bourdieu, então, um princí-pio de análise: o de que as obras constituem formas de debate, de confrontos e são construções social e historicamente situadas (Bourdieu, 2003). Buscamos demonstrar este princípio através dos debates públicos travados entre os produtores culturais que analisamos a seguir.Se Bourdieu tem o mérito de propor novas formas de análise de obras, é preciso ressaltar que, para o sociólogo francês, a intertextualidade refere-se a uma relação histórica interna entre textos e se situa como método por excelência de leituras internalistas. No entanto, para nós, acolher a intertextualidade nas ciências sociais significa adotar não só os discursos como matérias-primas, mas, sobretudo, pôr-nos diante de seus confrontos, questionando os constrangimentos de sua própria produção e recepção.