O Apará e seu corpo

Abstract

IntroduçãoO fenômeno da Nova Era -NE -apresenta-se como um emaranhado complexo de difícil apreensão, de modo que diversos pesquisadores têm buscado delimitá-lo (D'Andrea 1999), muitas vezes como um movimento de "sensibilização espiritual" (Siqueira 2003), compartilhando alguns pressupostos, como a ideia de que estamos entrando em um novo tempo, marcado por profundas alterações na [...] maneira de pensar, sentir, agir e relacionar-se uns com os outros, com a natureza e com a esfera do sobrenatural. De uma forma geral, essas transformações são entendidas no sentido de um reequilíbrio entre pólos -corpo/mente, espírito/matéria, masculino/feminino, ciência/tradição etc. -até então opostos e em conflito (Magnani 2000:10). Para Amaral (1999b), a NE seria justamente essa possibilidade de se utilizar dos mais diversos elementos culturais retirando-os de seus contextos originais, ressignificando-os e utilizando-os performaticamente para determinada finalidade.Neste universo plural da NE inicialmente o diálogo com as religiosidades populares era tênue no Brasil (Magnani 2006). Todavia, podemos perceber uma crescente interface que se dá de forma difusa pelos diversos movimentos que compõe a NE

<b>Bourdieu e o dom

“…O que tal categoria se propõe é ser um espaço intermediário, que permite passar das estruturas determinadas ao longo do trabalho de organização do corpus às ações de um ator singular e à experiência que ele adquire. Os esquemas produzidos, que permitem os sistemas de classificações e de práticas sociais, encontram-se definidos por sua inscrição no próprio corpo (Oliveira, 2013). Tal conceito teve desenvolvimentos ulteriores na obra de Bourdieu e, como toda inovação conceitual, abriu a possibilidade de usos e interpretações diferentes, entre os quais se instaurou um debate.…”

Estéticas da transformação: iconografia e estilo da cerâmica polícroma da Amazônia

“…No cerne dessa interpretação estava a noção de que os ritos funerários compreendem momentos chave para a manutenção e atualização dos sistemas socio-cosmológicos em suas diferentes dimensões. As cerimônias funerárias indígenas, como descritas etnograficamente, manejam uma série de instituições sociais, ligadas à parentesco, hierarquias, alianças, vingança, manutenção e transformação das relações entre vivos, entre vivos e mortos e entre humanos e não humanos (Carneiro da Cunha 1978, Cayubi Novaes 2006Lima 2002;Vilaça 1992Vilaça , 2005Vilaça , 2018McCallum 1996;Guerreiro Jr 2011).…”

“…Grosso modo, os ritos, em suas diferentes particularidades, mobilizam processos nos quais é fundamental a desassociação do morto do coletivo dos vivos, uma vez que estes dois universos têm sistemas próprios e devem ter limites estabelecidos. O risco perpetrado pelo luto e pela saudade/memória de um ente querido é talvez um dos maiores desestabilizadores do equilíbrio social, e que pode acarretar situações de extremo perigo se não manejados da maneira apropriada (Carneiro da Cunha 1978, Cayubi Novaes 2006Lima 1996Lima , 2002Vilaça 1992Vilaça , 2005Vilaça , 2018McCallum 1996;Guerreiro Jr 2011).…”

“…Essa estrutura de ordenação do mundo não se pauta pelo um, indivíduo, mas sim pela relação com o outro, pela alteridade. Um corpo é definido como um corpo, com uma natureza social específica, pois é fabricado a partir dos esforços, intenções, qualidades e substâncias (sangue, sêmem) de outros corpos e porque é compreendido por estes outros sujeitos como integrante de seu coletivo social, inscrito nas regras que regem a sociedade (parentesco, nome, ornamentação, ritualização)(Seeger et al 1979, Viveiros de Castro 1979Lima 2002; Taylor 1996; Vilaça 2005). Basicamente, pode-se dizer que os estudos etnológicos compreendem que diferentes sociedades indígenas amazônicas ordenam sua vida social a partir de uma linguagem do corpo (que pode se desdobrar em uma linguagem do espaço) onde convergem diferentes lógicas de oposição e complementaridade como, por exemplo, indivíduo/coletivo; interno/externo; reclusão/exibição; humano/não humano (Seeger et al outros sociais dentro de seus núcleos específicos, ideia esta que é um dos pilares da teoria perspectivista ameríndia.…”

“…Essa também é a ideia central da "pele social" deTurner (1980), em que o corpo e a subjetivação são construídos através da referência cultural inscrita na estética de cada povo. A pele pode ser concebida também como um eixo de unificação entre corpo e alma, como para os Juruna(Lima 2002) sendo ela tanto um princípio de individuação como um eixo de transformação. Os mitos Juruna enfatizam, por exemplo, como é possível transformar-se em um animal na medida em que se é possível "vestir uma outra pele"(Lima 2002:4).…”