Resumo:Carl Schmitt e Hannah Arendt têm visões opostas em relação às revoluções e à constituição, porém ambos convergem em uma leitura reducionista de Rousseau. O propósito deste trabalho é mostrar como a leitura de Rousseau, de Sieyès e do poder constituinte que Schmitt faz em sua Verfassungslehre (teoria da constituição) de algum modo se encontra com a interpretação que a própria Arendt tem da Revolução Francesa, ainda que ela apresente uma resposta diferente ao "paradoxo da constituição". Ao final, uma leitura que aponte para as ambivalências de Rousseau permite desfazer algumas distorções e recuperar um pouco o sentido republicano de sua filosofia política.
Palavras-chave:poder constituinte; Rousseau; Hannah Arendt; Carl Schmitt; democracia.Abstract: Carl Schmitt and Hannah Arendt have different views regarding revolutions and constitutions, although both converge in presenting a reductionist reading of Rousseau. The aim of this paper is to point out how the reading of Rousseau, Sieyès and the constituent power Schmitt offers in his Verfassungslehre (theory of the constitution) somehow intersects with the view Arendt herself has on the French Revolution, despite she gives a different answer to the "constitutional paradox." Finally, an interpretation that addresses Rousseau's ambivalences allows us to distort that reading and recover the republican sense of his political philosophy.Keywords: constituent power; Rousseau; Hannah Arendt; Carl Schmitt; democracy.
DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2318-9800.v22i3p77-89Referência indispensável para o pensamento político e para a compreensão da democracia moderna, Jean-Jacques Rousseau pode ser lembrado como "o teórico por excelência da participação" (Pateman, 1992, p.35) ao fazer derivar do exercício da autonomia pública dos cidadãos a legitimidade política. Neste artigo, busco apresentar um "outro" Rousseau. Pelas lentes de Carl Schmitt e Hannah Arendt, * O presente trabalho é um dos resultados do meu pós-doutorado realizado no departamento de filosofia da Universidade Federal de São Carlos (2015-2016) e que contou com uma bolsa CAPES/ PNPD. Ele foi apresentado de forma bastante condensada no Colóquio Rousseau realizado na UFSCar em novembro de 2015, organizado pela profª. Drª. Marisa Lopes, a quem agradeço pelo convite. Rousseau, Schmitt e Arendt são, cada um, autores que permitem interpretações bastante sofisticadas e também controvertidas, por isso busquei focar na leitura apenas de seus textos, deixando de fora bons comentadores. Dei preferência às traduções disponíveis no Brasil, que podem ter sido ligeiramente alteradas aqui sem indicação. Usei a paginação da edição da Verfassungslehre de 1928 e, para as citações, foi-me bastante útil a tradução em inglês de Jeffrey Seitzer (Schmitt, 2007).