R e v ista d a S o c ie d a d e B ra sileira d e M e d icin a T ropical 2 3 (4 ):A morte súbita nos portadores de cardiopatia chagásica é um fenômeno freqüente e, a exemplo de outras cardiopatias, parece ser conveniente dividi-la em esperada e inesperada11 12. D e modo mais comum é causada pela fibrilação ventricular^ 11 e, mais raramente, deve-se a outros mecanismos14, dentre os quais se enquadra a ruptura espontânea. Ao que nos consta, na literatura há apenas dois relatos de morte de chagásicos por este último mecanismo, um feito por Chagas4 em 1916 e outro por Oliveira e Barbieri N eto10 em 1970. Tendo tido oportunidade de obser var óbito súbito de chagásica crônica causado por hemopericárdio conseqüente a rotura espontânea do ventrículo direito, nos pareceu justificada a publicação do caso pela sua raridade e pelos ensinamentos que dele se possa tirar para entendimento das rupturas cardíacas espontâneas.
RELATO D O CASOMulher preta, 49 anos, casada, do lar, natural e procedente de Uberaba, Minas Gerais. H á anos queixava-se de palpitações, dispnéia noturna, edema de membros inferiores e disfagia. N ão procurava aten dimento médico " apesar de saber que era chagásica" .Quinze dias antes do óbito agravou-se a disp néia, surgiram dores nas regiões anterior e posterior do Recebido para publicação em 05 /0 9 /9 0 . tórax, tosse com escarro amarelado, febre e anorexia. Procurou atendimento em pronto-socorro da cidade, sendo diagnosticada bronquite. Logo após tomar medicação injetável -não se sabe qual -desmaiou duas vezes por alguns minutos e, logo após recobrar a consciência, faleceu em intensa dispnéia, em 06/06/87.
NecropsiaO corpo foi examinado no Posto Médico Legal de Uberaba. À ectoscopía, cadáver do sexo feminino, de cor preta, sem lesões externas. Os achados macros cópicos mais importantes relacionam-se com o cora ção e com os pulmões.Pericárdio distendido por grande volume de sangue coagulado na sua cavidade. Coração de forma e peso (325g) normais, apresentando, na face estemocostal do ventrículo direito, rotura recentíssima de 1,8 cm de comprimento, arciforme, de margens dis cretamente irregulares, situada em área adelgaçada, em grande parte translúcida, de 4,0x0,5 cm (F iguras 1 e 2). Epicárdio com espessamentos brancacentos, ora em placas irregulares nas superfícies atrioventriculares, ora formando pequenos nódulos dispostos em rosário ao longo dos ramos coronários. No restante, folheto liso, delgado, transparente e brilhante. Cavi dades cardíacas e óstíos atrioventriculares discre tamente dilatados. Válvulas de aspecto normal. M iocárdio vermelho castanho com espessura de 1,1 cm no terço médio do ventrículo esquerdo e 0,3cm no direito, adelgaçando-se na região do vórtex à esquerda, onde chega a medir menos de 1 mm e é translúcido; trombos intracavitários nessa região (Figura 2). Endocárdio pa rieta l com espessamento brancacento difuso na região lateral do átrio esquerdo; no restante, o folheto é liso, delgado, transparente e brilhante. Seio coronário normal.
5