Análise do modelo brasileiro

Abstract

A bi bl iografia especializada fo rnece-nos, infelizmente, poucos estudos sérios a respeito da s transfo rmações ocorr idas no Bra sil a partir da década de 60. Por outro lado, a nál ise superfic ia is, pa nfletária s até, a bundam, di ficu lta ndo ao estudioso, ou ao mero inte ressado, u m ente ndime nto mai or da si tuação histórico-estrutural pela qual passa este pa ís e m dese nvo lvimento, seg u ndo uns, e em direção à mera mode rnização, se g undo outros. Os sociólogos e economistas preocupam-se, atualmente, e m a valiar aspectos margina is da real idade brasileira, procurando afastar-se de afirmativas mais compromete dora s; to rna -se, assim, patente a falta de aná lises profundas e objetivas quanto ao real significado do M ovimento de Março, e da s sua s conseqüênc ias nos diversos su bsiste mas do macrossistema social.Foi natural, portanto, que se aguardasse com certa ansiedade, uma análise do "modelo" brasileiro de desenvolvimento, elaborado por um economista e pensador renomado, Celso Furtado. Criador da Sudene, artífice do Plano Trienal de Desenvolvi-menta, ex-Ministro-sem-pasta, e atualmente professor nas universidades de Harvard e Sorbonne, poder-se-ia esperar do Professor Furtado uma avaliação clara e objetiva das tendências que orientaram e orientam o Brasil durante os nossos dias. No entanto, após uma leitura cuidadosa do pequeno volume intitulado Análise do "modelo" brasileiro, chega-se à conclusão de que ainda assim falta u m estudo mais profundo da rea lidade brasi le ira, pois questões básicas co nt inuam a pedir respos -tas_ e exp licações. O Professor Furtado reúne e s intetiza as muitas e conhec idas críticas dirig id as à orientação soc ioeco nômica do atual Gove rno, mas, raramente consegue fazer o que se de nomina uma "síntese criadora" . Muitas de suas idéias e temas remontam às suas prime iras obras, como também às tradicionai s teses da Cepa l; é inte ressa nte, por outro lado, notar como, em determinados momentos, estas mesmas teses mudam de conteúdo para se adaptarem às situações radicalme:'lte novas.O volume ;·e úne dois ensaios distintos, sendo o primei ro aque le que dá nome à obra , e o segundo uma breve análise do sistema agrár io, intitulado A estrutura agrária no subdesen volvimento.brasileiro . t a o prime iro destes ensa ios que d irig imos a nossa atenção.O Professo r Fu rta do e5qui va-se da análise da "dependência" ao conceitua r o su bdesenvolvimento brasile iro; opta , isto sim, pela utili zação da var iá vel "tecnologia" co mo fato r dete rminante da sit uação h istó rico-estrutural na q ual está inser ido o Brasil. A Revolução In d ustrial é defini da dicotomicamente! pois significa modificações profundas tanto nos padrões de consumo como também nos processos tecnológicos de produção. O subdesenvolvimento se ria caracterizado, assim, pela m od if icação nos padrões de consumo, se m uma transformação concomitante ao níve l dos processos produtivos. A problemátic a do su bdesenvolvimento seria "resolvida" através da incorporação de uma tecnologia "aute nticamente nac...

Celso Furtado, o Golpe de 1964 e a Ditadura Militar

“…De modo geral, Análise do 'modelo' brasileiro foi redigida de forma técnica, para evitar censura (FEDER, 1972). Ainda assim, o editor do livro teve sua livraria desapropriada pelos militares pouco tempo depois desta publicação; fato que reforça, mais uma vez, que os governos militares não permitiam diálogo e participação no comando da nação.…”

Dualismo e o pensamento econômico latino-americano

“…Na mesma toada, Furtado (1972), em Análise do modelo brasileiro, analisando o padrão de crescimento levado a cabo pela ditadura militar brasileira, buscou explicar o fenômeno de alto crescimento e forte aumento na concentração de renda. De certo modo, o "modelo brasileiro" teria sido uma saída para a crise da industrialização por substituição de importações, exposta por Furtado em Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina.…”

“…Dois anos depois, em O mito do desenvolvimento econômico, Furtado (1974, p. 102) reafirma sua hipótese básica de que "o sistema não tem sido capaz de produzir espontaneamente o perfil de demanda capaz de assegurar uma taxa estável de crescimento"; sendo assim, "o crescimento a longo prazo depende de ações exógenas do governo" (FURTADO, 1974, p. 102): não era a estagnação que era contingente, mas sim a recuperação. Para Furtado (1972), a economia brasileira não conseguia gerar o fluxo de demanda necessário para absorver a produção dos setores industriais instalados recentemente (particularmente, de bens de consumo duráveis). Assim, o "modelo brasileiro" teria sido uma saída via "concentração dinâmica" (FURTADO, 1972, p. 41): uma tentativa de adaptação da estrutura da demanda, de modo a dinamizar o consumo das classes médias e altas por meio do direcionamento do crédito ao consumo de bens duráveis, proteção de ativos financeiros dos efeitos da inflação (i.e., indexação), e concomitante repressão salarial dos trabalhadores da base.…”

“…Todavia, o modelo de (sub)desenvolvimento escolhido, para Furtado (1972) -assim como para Vuskovic (1976Vuskovic ( [1970) -não era uma saída necessária, mas antes contingente: a escolha de outro caminho rumo ao desenvolvimento, um de democratização, mudança estrutural e distribuição progressiva de renda, era uma possibilidade em face da crise da substituição de importações.…”

“…Primeiramente, para essa visão não seria possível falar em um dualismo baseado na convivência de modos de produção distintos, mas sim na convivência de modos distintos de organização da produção sob a égide do capital, tornando as economias subdesenvolvidas economias capitalistas de um certo tipo. Para a Escola de Campinas -indo no sentido oposto a Lewis (2010Lewis ( [1954), a alguns textos cepalinos, em especial Furtado (1968Furtado ( [1966Furtado ( ], 1972), e a boa parte dos críticos marxistas -, os salários no setor capitalista seriam determinados endogenamente, não sofrendo influências diretas da parcela não-capitalista; pelo contrário, seria o processo de expansão e retração do setor capitalista que, ao incorporar e desincorporar atividades e trabalhadores do e para o setor nãocapitalista, determinaria os rendimentos nesse. Se os teóricos de Campinas concordam com a noção de que a peculiaridade do subdesenvolvimento estaria na presença do dualismo -ou uma forma ligeiramente matizada desse -, o "setor de subsistência" perde a sua importância na determinação salarial, servindo apenas como um regulador de longo prazo.…”