RESUMOO acúmulo de textos é uma constante ao longo das vidas leitoras. Formamos nossas pilhas de leituras adiadas a partir das circunstâncias de nosso encontro com novos textos e do trajeto que percorremos até abandoná-los para exploração futura. Uma primeira aproximação ao tema se baseia nos acasos que reorganizam as pilhas de textos dos leitores, representados aqui, inicialmente, por narradores e personagens da ficção de Jorge Luis Borges. Junto a eles aparece Zenóbia, um dos cenários ficcionais n'As cidades invisíveis de Italo Calvino. A descrição dessa cidade pelo narrador de Calvino, Marco Polo, é capaz de oferecer um excelente modelo metafórico dos caminhos algo desordenados que uma vida leitora percorre. Daí em diante, dois livros darão lastro para um pensamento sobre o evento da leitura: o Parque das ruínas, de Marília Garcia, e o Manual do condutor de máquinas sombrias, de Rui Pires Cabral. A leitura é tratada como situação irrepetível e indizivelmente pessoal, mas já carregada de sentidos prefigurados. Uma vez que o ato de ler chegue ao fim, isto é, uma vez que o presente da leitura se esgote, ela tende à negociação coletiva da interpretação. Para aqueles dois livros, uma pergunta a se fazer é: o quanto uma interpretação metapoética se apoia no grau de explicitude com que a poesia se torna tema? É o caso do Parque das ruínas. Mas nem por isso a intervenção leitora se torna incapaz de alcançar resultados similares, de outra forma, por meio duma formulação interpretativa refletida e particular: é um caso possível para o Manual de Rui Pires Cabral. A partir daí, com uma atenção maior depositada na figura do leitor empírico, o olhar recai sobre os modos de relação entre a leitura literária e a escrita que se faz a respeito da literatura. É possível que a redação de uma pesquisa voltada à literatura, levada a cabo por alguém que é seu leitor habitual, se aproxime do texto literário em termos de recursos criativos? Se sim, de que modo fazê-lo? A literatura e os textos que tratam dela (críticos, jornalísticos, publicitários) mantêm "em jogo" os critérios que norteiam a eles próprios? Caso afirmativo, são capazes de dilatar também o alcance das interpretações feitas por seus leitores? O que significa considerar o leitor um coautor do texto literário que lê? Existe algo de arriscado, talvez até mesmo um perigo iminente, na atividade de ler literatura? Que tipo de verdade, ou de incitação a buscá-la os textos literários podem desdobrar a seus leitores? Ao testar respostas, a escrita crítica encontra a escrita ensaística, exercitando diversos modos de incorporação dos recursos literários e das variedades de comentário sobre os textos. Além dos autores já citados, o ensaio passa por diversos poetas e ficcionistas, como