Medicina defensiva: uma prática em defesa de quem?

Abstract

Resumo Casos de litígio contra médicos têm aumentado no Brasil: já são três novas ações por hora em decorrência de suposto erro médico. Este estudo objetivou analisar se o médico processado e o profissional que conhece outro colega de profissão que também passou por tal situação alteram a conduta clínica com receio de figurar como réu em ação indenizatória por erro médico. Foi aplicado questionário a 104 médicos de 28 especialidades, 53 mulheres (51%) e 51 homens (49%). Analisou-se a relação entre variáveis como estado civil, tempo médio de formado, vínculos empregatícios, entre outras, e a prática cotidiana da medicina defensiva. O estudo busca promover o debate sobre a alteração da conduta clínica por interesse do médico em não ser processado, desvinculando sua prática e a hipótese diagnóstica do paciente.

O impacto do processo ético-profissional segundo uma perspectiva subjetiva dos médicos acusados

“…O sentimento de injustiça, outro tópico abordado pelos entrevistados, diz respeito, principalmente, aos fatores que fogem do controle do médico. A desordem do sistema público de saúde brasileiro (carência de insumos, de leitos de internações e de profissionais), por exemplo, é um estressor que, associado à carga horária de trabalho exaustiva do profissional de Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 6, n. 6, p. 28724-28735, nov./dec., 2023 saúde, perturba o bom estabelecimento da relação médico-paciente 7,9,10 . Dessa forma, delineiase uma conjuntura que predispõe tanto o paciente a denunciar o médico, quanto o médico a errar na sua atuação 7,9,10 .…”

“…Isso ocorre devido à condição leiga do denunciante que, frequentemente, idealiza a infalibilidade do médico, associando a um caráter divino que molda as ciências médicas desde os seus primórdios 7 . Assim, resultados desagradáveis ou inesperados podem instigar a denúncia pelo paciente, não necessariamente constituindo conduta inadequada do profissional que pode ser processado mesmo ao agir adequadamente 9 .…”

Perfil de denúncias éticas contra médicos em um estado brasileiro, de 2001 a 2016

“…Estas recomendações, todavia, ao invés de garantirem mais respaldo ao médico, tornaram o relacionamento com o paciente ainda mais impessoal e, como consequência, exacerbaram ruídos de comunicação, sem, contudo, garantir maior acuidade técnica, É possível que, em termos gerais, mulheres possuam uma abordagem moral diferenciada, com mais atenção às relações interpessoais, em contraste ao paradigma bioético principialista mais adotado por homens, que valoriza ideais de justiça e obediência a regras uma vez que, ao passo que se prestam a minimizar alegações de omissão, fabricam novos problemas, como sobrediagnósticos e procedimentos desnecessários (Berlin, 2017;Vale & Miyazaki, 2019).…”

“…Assim, a aposta na circunscrição do atendimento médico ao enfoque jurídico de prestação de serviço se revela uma armadilha enquanto antídoto para esta tendência de crescimento das denúncias: tanto estimula condutas dispendiosas (Vento et al, 2018) e potencialmente iatrogênicas (Berlin, 2017), quanto dificulta o cuidado centrado na pessoa (Vale & Miyazaki, 2019), aprofundando desentendimentos na relação médicopaciente, e, consequentemente, a sensação de insatisfação quanto ao serviço oferecido, o que, em um contexto de protagonismo da paciente no processo de cuidado, redunda no crescimento das denúncias.…”

decisão clínica compartilhada diante dos riscos do rastreamento do câncer de próstata

“…20 Uma pesquisa realizada no estado de São Paulo identificou que, 75% dos médicos respondentes afirmaram que o medo de ser acionado judicialmente interfere na sua prática e mais de 90% concordaram com a afirmativa de que solicitam mais exames que o necessário, como forma de se proteger contra processos. 21 A literatura aponta que a medicina defensiva pode gerar a utilização desmedida de tecnologias diagnósticas, de forma a minimizar o sentimento de insegurança dos profissionais. 20,22 Segundo os preceitos da Prevenção Quaternária, o uso racional dos recursos de saúde promove o emprego consciente dos dispositivos tecnológicos, diminui a probabilidade de adoecimento iatrogênico, valoriza a ética do cuidado e estimula o pensamento crítico dos profissionais para avaliar e proteger as pessoas de danos induzidos pelas intervenções médicas.…”