O luto nos tempos da COVID-19: desafios do cuidado durante a pandemia

Abstract

Este artigo pretende discutir aspectos universais e peculiares da vivência de luto no contexto da pandemia por COVID-19, a partir da escuta clínica de familiares que perderam seus parentes que se encontravam internados. O trajeto para atingir este objetivo inicia-se com a descrição do espaço de escuta fornecido pelo APEM-COVID no Hospital de Clínicas da Unicamp; segue com uma apresentação sobre o luto na perspectiva de alguns reconhecidos autores e continua discutindo elementos observados no processo de luto inserido numa conjuntura sem precedente na história recente. As falas recortadas dos atendimentos dialogam e desafiam aspectos teóricos, pelo inédito do momento em que se inserem, valorizando a importância do cuidado ofertado e seu potencial de construção de saber.

Ansiedade e depressão no contexto da pandemia de COVID-19

“…O luto, quando bem-sucedido, passa por um processo de reconhecimento da realidade alterada, ou seja, o reconhecimento da morte. Esse processo é amparado pela cultura através dos ritos de passagem que, aos poucos, estabelece e confirma tais evidências (DANTAS et al, 2020). Os rituais fúnebres, de certa forma, prolongam o "convívio" da pessoa morta com a comunidade, propiciando a demonstração e o compartilhamento do sofrimento, possibilitando, dessa forma, tempo a mais para elaboração da perda (DE SOUZA; DE SOUZA,…”

“…Segundo Dantas et al (2020), na cultura ocidental os funerais estão centrados na presença simbólica invocada pelo corpo da pessoa morta, corpo este que pode ser visto e tocado e que é preparado para ser contemplado pela última vez. O ato de observar o corpo se traduz como a concretude da morte e a simbolização da partida.…”

Perdas, mortes e luto durante a pandemia de COVID-19: uma revisão sistemática / Loss, death, and mourning during the COVID-19 pandemy: a systematic review

“…Embora os espaços virtuais e dispositivos eletrônicos tenham sido benéficos para a manutenção da comunicação entre os doentes e os seus familiares, estes não se igualam ao contato presencial com o ente querido 15 . Para alguns, a COVID-19 seria a pior doença do mundo por não permitir a despedida 3 . Estudo descritivo com 208 famílias enlutadas pela COVID-19 resultou em um percentual de 49% dos familiares que conseguiram despedir-se do ente querido, seja pessoalmente, por áudio, carta ou chamada de vídeo.…”

“…Os rituais fúnebres são datados desde a pré-história considerados um processo humano desenvolvido visando ao enfrentamento do sentimento de perda de um ente querido para o retorno às atividades de vida usuais 3 . Com o contexto da pandemia da COVID-19, esses rituais foram alterados e, não rao, impossibilitados, visto que vários países fizeram adotaram medidas sanitárias severas, prejudicando o processo natural de despedida e luto, trazendo consequências psicossociais profundas 4 .…”

“…A COVID-19 poderia ser considerada a pior doença do mundo por não permitir a despedida. Tal conjuntura demanda o rápido desenvolvimento de intervenções inovadoras e criativas para a redução de danos causados pelo luto patológico na sociedade mundial 3 .…”