Encarceramento Em Massa, Racketeering De Estado E Racionalidade Neoliberal

Abstract

<jats:p>Resumo Argumenta-se que a análise da natureza dos regimes punitivos de países do sul global constitui plataforma privilegiada de observação do fenômeno contemporâneo do encarceramento em massa. Não apenas para iluminar o caráter articulado das tecnologias de poder e dos efeitos bumerangue que aproximam padrões de controle da conduta e governo das populações em diferentes formações sociais do capitalismo global, mas, sobretudo, para revelar a própria direção mais geral desses processos. Dessa perspectiva, analisar a experiência brasileira poderia contribuir para especificar o conceito de racionalidade neoliberal e o modo como ele configura o encarceramento em massa, na medida em que a articulação truncada entre gestão autoritária e eficiente do crime e da violência que está na base de processos de criação e reprodução de mercados ilegais e informais no país, com a consequente saturação econômica de sentido de diferentes esferas sociais, anda de par com a adoção de práticas análogas às dos rackets e com a apropriação violenta de recursos econômicos e meios de poder.</jats:p>

Neoliberalismo e política criminal no Brasil após 1988

“…Em segundo lugar, como outra faceta dos processos de desdemocratização (Altheman, Martins & Camargos, 2020), atentar-se para os desdobramentos de uma governamentalidade neoliberal pode ajudar a compreender a convergência estrutural (Rose, 2000) entre a ascensão do neoliberalismo e o acirramento de mecanismos repressivos e punitivos (Minhoto, 2020;Wacquant, 2007Wacquant, , 2011. Com isso, o presente artigo pretende contribuir também com a discussão sobre a emergência de uma penalidade neoliberal (Wacquant, 2007) em diversos contextos do globo a partir do último quarto do século XX.…”

Guerra ao Crime Organizado e Política Criminal nos Governos FHC e Lula: entre os processos de neoliberalização e as hibridizações da guinada punitiva brasileira

“…Para desenvolver os objetivos apresentados, a pesquisa trilha o seguinte caminho: o capítulo 1 consiste em um esforço de reconstrução teórica, que enfoca as leituras sobre a convergência entre neoliberalismo e guinada punitiva, bem como discute a possibilidade de aplicar tais conceitos ao caso brasileiro. Este segmento de caráter predominantemente teórico parte de uma apresentação da bibliografia que relaciona mudanças socioeconômicas mais amplas com câmbios nas formas de punição, para, em seguida, realizar a exposição das ideias de David Garland (2008Garland ( , 2013 e Loïc Wacquant (2007aWacquant ( , 2007bWacquant ( , 2011Wacquant ( , 2012, autores paradigmáticos do campo (Alvarez e Campos, 2017;Minhoto, 2020) e que, de maneiras distintas, mobilizam a noção de neoliberalismo em suas interpretações. A partir da exploração das potencialidades e das limitações das contribuições desses autores, o passo seguinteainda nas discussões teóricasé a apresentação das leituras possíveis do conceito de neoliberalismo.…”

“…A aposta, neste ponto, é que a leitura do fenômeno a partir das noções previamente apresentadas constitui uma chave teórica adequada para a captação tanto das particularidades dos mecanismos de punição contemporâneos locais, quanto dos engates (Minhoto, 2020) verificados no plano transnacional.…”

“…Entre 2016 e 2020, o número de pessoas assassinadas pelo Estado no Brasil foi de: 4.220, 5.179, 6.175, 6.351 e 6.416 (FBSP, 2021). nos termos de uma espécie de "convergência penal", por meio da qual fatores externos conectam-se a lógicas e processos históricos, sociais e políticos internos, formando misturas híbridas que se traduzem, em desenvolvimentos desiguais, nas diversas práticas punitivas concretas de cada localidade (Iturralde, 2012;Minhoto, 2020;Semer, 2019).…”

“…Ainda, foi também a partir dos anos 1990 que passou a verificar-se, de acordo com os dados oficiais, um aumento contínuo e exponencial das taxas de encarceramento no Brasil, que subiu de cerca de 73 pessoas presas por 100.000 habitantes em 1992 para 381 em 2020 (Brasil, 2021). Apesar de tais dados padecerem de uma série de problemas metodológicos e de as taxas de encarceramento não serem um dado completo para falar sobre os níveis de punição de um país (Sozzo, 2016, p. 209;Azevedo e Campos, 2020), esse gigantesco crescimento parece indicar queassim como verificado em outros contextos do mundo Ocidentalo momento foi marcado pela ocorrência de uma verdadeira guinada punitiva (Wacquant, 2007a;Minhoto, 2020;Sozzo, 2016Sozzo, , 2018 no país, ainda que por meio de processos truncados e de conformações híbridas.…”