Este artigo procura abordar algumas das maneiras pelas quais a ficção de Machado de Assis tratou a questão da moda. Seja por meio do estudo dos costumes e dos trajes, sobretudo das alterações de suas formas, e seja ainda por uma relação específica que seus relatos estabelecem com o tempo, o escritor não apenas esteve atento ao problema da moda, como também fez dele motivo de várias das suas criações. O artigo desenvolve tal abordagem a partir de três perspectivas críticas: a de uma tradição que discutiu o problema das mercadorias no século XIX, sobretudo com Balzac e Walter Benjamin; por meio de um diálogo com uma espécie de “metafísica da aparência” mais contemporânea, que surge aqui por meio dos trabalhos de Boris Groys e Emanuele Coccia; e finalmente em diálogo com alguma crítica machadiana – de Roberto Schwarz e José Miguel Wisnik aos mais recentes Idelber Avelar e Ana Luiza Andrade.
O artigo analisa o último romance de Campos de Carvalho, O púcaro búlgaro (1964), por meio das noções de viagem e inexistência. E procura mostrar algumas consequências críticas e narrativas do impasse entre a promessa de uma “expedição ao fabuloso reino da Bulgária” – feita pelo narrador logo de saída com a eloquência de um viajante tarimbado – e seu constante adiamento ao longo do romance. Por meio de um estilo na maioria das vezes inexato e fabuloso, sempre verborrágico e exagerado, o narrador dessa expedição torna-se complexo não por dominar o assunto que supostamente é objeto de seu interesse (o púcaro búlgaro) e sim porque, ao contrário, ele gira no vazio. E nesse giro só pode “devanear sobre o nada”, como ele próprio diz, enquanto não atina para a razão de escrever o diário. Tal impasse, de um lado, dialoga de modo crítico e irônico com certa tradição dos relatos de viagem à medida que se apropria de alguns dos seus pressupostos, como a confiabilidade do narrador e a obsessão pelas classificações, para fazer deles objeto de piada; de outro, na tentativa de realizar um romance altamente experimental, toma de empréstimo o princípio que Breton formula no “Manifesto do surrealismo”, segundo o qual a “existência está em outro lugar”, ou seja, na Bulgária, que não existe. Desse modo, o romance de Campos de Carvalho poderia ser pensado como uma experiência de desarme da nossa maneira de ler os relatos de viagem nacionais, ao mimetizar tais narradores e expor – ao ridículo – os seus limites. É a hipótese que se propõe.
Resumo O artigo analisa a ficção de Veronica Stigger, em especial o pequeno conto “200 m²”, a partir da construção de uma cena que fundaria uma poética em sua literatura. No texto em questão, a personagem, que se chama Verônica, encena o suicídio dela própria - e dela como autora. Uma das consequências teóricas dessa cena da morte da autora nos leva a pensar em uma tensão entre “letra morta” e “palavra viva”, conforme a releitura que o filósofo Jacques Rancière faz da crítica de Platão à escrita. Mas tal cena também aponta, à medida que instaura uma série de “separações” entre a escrita e seu objeto, para uma alternativa crítica de sua literatura frente à sociedade do espetáculo. Tal trajetória, finalmente, abre uma pergunta incontornável a respeito do conto analisado, pergunta que deve ser estendida aos livros seguintes de Stigger, e que, no entanto, não dá margem para nenhuma resposta aceitável: se a autora morreu, como é capaz de seguir escrevendo seus livros?
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) Abstract: The man in rags: fashion experience in Flávio de Carvalho -The article analyzes in detail a set of writings by Flávio de Carvalho about fashion, first published in 1956 and then reissued in 2010, in perspective with two contemporary theorists who also dedicated themselves to look into the subject: Emanuele Coccia and Boris Groys. The central idea is to explore the figure of the "man in rags", a figure that Flávio himself develops through a series of reflections on the history of clothing, as a contribution to the avant-garde debate around the "new man". It enables an understanding of another central concept proposed by the author, that of Unisex , and also to revisit its celebrated performance from the creation of a new look. Thus, the article proposes to debate not only the spot occupied by fashion in the trajectory of this singular artist, but also to draw attention to the relevance and topicality of Flávio's works regarding such debate.
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