O percurso criativo mariodeandradiano só pode ser vislumbrado em uma perspectiva mais ampla no estudo de suas obras inacabadas, uma vez que o escritor tinha por hábito eliminar registros das etapas de criação das obras que via publicadas. Sob essa perspectiva, o romance Café 2 é fonte preciosa, conforme as descobertas da pesquisa que culminou na minha tese de doutoramento Café: o trajeto da criação de um romance inacabado de Mário de Andrade 3 .No manuscrito, em meio às versões de texto dos dois primeiros capítulos, a profusão de notas de trabalho para os cinco capítulos planejados vale-se de pequenas folhas destacadas de bloco de bolso, das quais uma parcela distingue-se por exibir, no canto superior esquerdo, numeração a grafite, do mesmo tipo daquela presente na primeira versão conhecida do capítulo que abre Café. Entretanto, quando se busca relacionar as notas numeradas e os números marcados nessa primeira versão conhecida do texto, percebe-se que poucos coincidem. É relevante notar que os números inseridos nessa versão do romance não seguem a sequência numérica; basta dizer que os números 1 e 2 estão na última folha, fato que leva à conclusão de que o elenco numérico sequencial estaria preso às notas. O cotejo da primeira com a terceira versão do início de Café revela que os números presentes na primeira versão do manuscrito funcionam como chamadas para sinalizar os pontos em que deveriam ser feitas inserções no texto. Cabe ressaltar que a segunda versão foi posta de lado para confronto por se tratar de versão
esponjA de ideiAsQue mistério, que intuição, que anjo-da-guarda, Oneida, quando aos 16 anos e muito resolvi me dedicar à música, me fez concluir instantaneamente que a música não existe, o que existia era a Arte?... E desde então, desde esse primeiro momento de estudo real [...] assim como estudava piano, não perdia concerto e lia a vida dos músicos, também não perdia exposições plásticas, devorava histórias de arte, me atrapalhava em estéticas mal compreendidas, estudava os escritores e a língua, e, com que sacrifícios nem sei pois vivia de mesada miserável, comprava o meu primeiro quadro! Carta de Mário de Andrade a Oneyda Alvarenga; Rio de Janeiro, 14 set. 1940 (ALVARENGA, 1983, p. 270-271).Nesta epígrafe que escolhi para meu trabalho, encontra-se, nas palavras de Mário de Andrade, o broto de onde despontou, como prodigiosa ramificação, o polígrafo. A declaração permite que se infira que, para o jovem, logo tenha surgido a necessidade de sistematizar seus estudos em fichas, evitando, assim, a possível dispersão. Pode-se pensar que essa solução decorreu de instruções de seu primo e amigo Pio Lourenço Corrêa, fazendeiro e intelectual de Araraquara, além de inveterado leitor, apaixonado por questões linguísticas que possuía um considerável fichário sobre o assunto; ou de noções recebidas, talvez, de 246 -Remate de Males 33.1-2 seus professores franceses e belgas, na Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo, no Mosteiro de São Bento, vinculada à Universidade de Louvain. Isso seria aqui, todavia, uma impertinente digressão. A verdade é que, no Arquivo Mário de Andrade, o Fichário analítico, construído durante mais de duas décadas, reúne fichas de leitura, notas de trabalho, cartas, esboços de ideias, matérias extraídas de jornais e revistas, formando uma espécie de enciclopédia para uso próprio, backup da memória que respaldou a criação do polígrafo e serviu a seus amigos. Conservado no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, hoje alimenta inúmeras pesquisas, nas áreas que o compõem. Guarda 9.634 documentos organizados por assunto, em dez divisões: Obras Gerais, Música, Literatura, Artes Plásticas, Estética, Filosofia e Religiões, Ciências, Psicologia e Etnografia, Sociologia e História -Universal e do Brasil -, cada qual com subdivisões. As primeiras fichas do Fichário analítico datam, provavelmente, do início da década de 1920. Surgem talvez como resposta a uma necessidade criada durante a redação do "Prefácio interessantíssimo" de Pauliceia desvairada, o primeiro livro assinado pelo poeta modernista, em 1922, depois de Há uma gota de sangue em cada poema, em que, sob o pseudônimo Mário Sobral, já arriscara passos nessa direção, quatro anos antes.
Trailler n? 5' são ainda admiráveis, das m ais interessantes exposições do m ecanis mo lírico, em nossa poesia atual". Se esses poem as receberam boa acolhida do crítico, o mesmo, porém , não ocor reu com os dois estudos publicados pelo Departamento de Cultura, com o separa tas da Revista do Arquivo Municipal, números 56 e 65, em 1939 e 1940-O folclore nas Ordenações do Reino e Pranto de Maria Parda. Logo após o aparecim ento do prim eiro, M ário de Andrade não esconde suas restrições, assim se dirigindo ao autor, em carta de 25 de julho de 1939: " Franqueza: ainda não sei se estudarei seu livro no Notícias, ele me irrita muito pela falta de m étodo, leviandade de falta de bibliografia pelo m enos honesta do assunto. Há honestidade e honestidade. Eu me queixo de você na sua absurda, quase agressiva independência não ter se aconselhado comigo quando preparou e escreveu o livro". De fato, o crítico, em sua coluna "Vida Literária", em 2 de julho daquele m esm o ano, apenas inclui a obra na lista dos livros recebidos pelo Diário de Notícias. Quanto à exegese do texto de G il Vicente desenvolvida no Pranto de Maria Parda, M ário, anotando nas margens do volum e, aponta com severidade diversos proble mas. Depois, expõe sucintamente as fragilidades do texto no artigo "Os paulistas", no periódico carioca, em 21 de junho de 1940. E conclui: " Seria longo enum erar todas as vezes em que divirjo das interpretações do Autor. M inha opinião sincera é que o sr. Fernando M endes de A lm eida teria agido m elhor esperando m aior maturidade de espírito para publicar obras deste gênero". 3 6 « FIGUEIREDO, Tatiana Longo. Afinando afinidades
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