Ao pensar sobre 1 a tarefa de falar sobre o trabalho desenvolvido pela Revista Estudos Feministas, definindo seu lugar dentro deste debate, ocorreu-me começar problematizando o próprio tema proposto, ou seja: pensar nossa tarefa como publicação feminista e como se constitui nossa diferença em termos de um contexto cultural, ou, em outras palavras, que contexto cultural é este em que nos constituímos como feministas, e o que significa ser feminista para nós, neste contexto.Um primeiro olhar para nossa revista identifica em seu próprio título uma tomada de posição: Estudos Feministas aponta para o desejo de fazer de uma publicação o lugar de tornar públicos (e portanto de fazer circular) os estudos (ou seja, uma determinada produção, de perfil marcadamente acadêmico) produzidos a partir de um ponto de vista específico, ou seja, o feminista. Assim, penso que o primeiro tema que deve tentar abordar é o do próprio conceito de feminismo. Estou entendendo o feminismo, em primeiro lugar, como uma arena, depois, como um campo teórico, uma prática interpretativa e, por fim, como um lugar político.Se o feminismo, como prática política, já nasce como uma arena, lugar para onde confluem discursos vindos de muitos lugares, cena aberta de disputa e negociação de poder, com o visível alargamento do campo nas últimas décadas, esta sua característica se intensifica. E uma publicação que se pretende veiculadora e interlocutora desses debates deve, necessariamente, inserir-se nesta arena, para onde convergem os discursos de dentro e também de fora do espaço acadêmico, onde o político e o estético negociam sentidos, onde diferentes campos de saber reivindicam sua especificidade, e onde, enfim, vozes marcadas por diferenças geográficas, sexuais, étnicas, raciais, religiosas, geracionais, convivem, dialogam, disputam e se intersectam, acentuando-se reciprocamente, em variações que muitas vezes nos escapam.
Simone Pereira SchmidtUniversidade Federal de Santa Catarina Nada mais "brasileiro" do que a associação clássica do corpo feminino ao desejo masculino. Por trás deste que aparenta ser um inofensivo consenso, residem, na verdade, sucessivas práticas de agressão às mulheres, limitadas em sua liberdade de movimentos e iniciativas, ou vendidas como produtos sedutores (as propagandas de cerveja na televisão aí estão, em nossas casas, para não nos deixar esquecer esse grande negócio que diariamente, e cada vez mais, é feito sobre o corpo da mulher). Quando a esse preconceito de gênero se somam outros, de raça e de classe, por exemplo, a violência contra esse corpo se torna algo com que temos ainda mais que nos preocupar. Há algum tempo, fomos testemunhas do ataque sofrido por uma empregada doméstica, alvo da fúria misógina de um punhado de rapazes bem nascidos da zona sul carioca. Na ocasião, Nilcéa Freire observou corretamente, em artigo publicado na imprensa, que, enquanto toda a sociedade se solidarizava com a vítima, precisava refletir sobre as razões desse ato de violência. Segundo ela, o próprio ato da agressão constitui "um traço exacerbado -e por isso repelido por todos -de uma violência naturalizada, banalizada e até mesmo autorizada. Parece excessivo, mas é exatamente isso: a violência exercida pelos homens contra as mulheres, no Brasil como em qualquer parte do mundo, é autorizada pela sociedade patriarcal".1 Ao associar corpo feminino, violência e cultura patriarcal, a ministra de Políticas para as Mulheres nos aponta a direção de um debate fundamental a ser feito com maior rigor no Brasil: sobre o legado tenso e mal resolvido do patriarcalismo escravocrata e seus desdobramentos em termos de desigualdades e violência de gênero, classe e raça.Edward Said afirma que "ter sido colonizado" é uma sina com consequências "duradouras, injustas e grotescas", que significa ser "potencialmente muitas coisas diferentes, mas inferiores, em muitos lugares diferentes, em muitos momentos diferentes".2 Assim, com base na reflexão de Said, podemos dizer que "ter sido colonizados" é o passado a que permanecemos inevitavelmente ligados, num fio de continuidade histórica cuja ponta inicial se encontra com o trauma da escravidão, por um lado, e, por outro, se revela no espaço urbano violento das capitais brasileiras, encontrando sua síntese nos socos e pontapés atirados contra o corpo de Sirlei, a jovem agredida numa rua do Rio de Janeiro. Um corpo "moreno" de mulher, corpo de uma empregada doméstica, confundida por seus agressores com uma prostituta (a qual, na lógica do preconceito fascista dos bad boys, seria o alvo preferencial da agressão). Não é demais destacar, portanto, que esse corpo agredido está muito bem localizado, em termos de gênero, raça e classe, na ordem desigual que domina as relações estabelecidas no seio da sociedade brasileira e que encontra palco privilegiado nas tensões de suas grandes capitais.Circula livremente no imaginário nacional, para consumo interno e externo, o estereótipo da mulher morena e obj...
ResumoA seção Debates da Revista Estudos Feministas foi planejada a partir de 2004, quando novos critérios adotados pelas instituições de fomento passaram a exigir uma periodicidade mais intensa das revistas científicas. A partir de uma demanda externa, pusemo-nos a pensar quais seriam as formas de debate feminista que a Revista poderia incrementar, dada a necessidade de intensificação de seu ritmo de publicação. Foi Susana Funck, que então integrava a editoria de artigos da Revista, quem formulou a proposta da seção Debates. As pessoas que acompanham de perto a história da REF e são suas leitoras certamente conhecem essa seção, mas ainda assim creio que cabem algumas breves palavras de apresentação de sua proposta.A seção Debates pretende colocar no centro da discussão um texto clássico, referencial do feminismo ou dos estudos de gênero, ou ainda um texto que aborde um tema candente, de grande atualidade, ou clássico e sempre atual, em diálogo imediato com intelectuais feministas do Brasil e/ou de países latino-americanos. Ou seja, com essa seção, a Revista segue aprofundando um papel que desde sua criação se dedicou a cumprir, qual seja, o de fazer circular, o de promover a recepção das teorias feministas e dos estudos de gênero.O que me parece uma estratégia interessante, e peculiar, neste caso, é a promoção deste debate que busca situar e localizar as questões propostas pelo texto que centraliza o debate. Geralmente estrangeiro, esse texto deve necessariamente ser "traduzido" pelo debate brasileiro e/ou latino-americano. Quando me refiro à tradução, não estou falando
Resumo: Partindo do conceito de negritude formulado por Aimé Césaire, proponho uma reflexão sobre os desdobramentos da negritude em diferentes momentos históricos, nos quais o conceito é ressignificado através de interpretações que atendem às demandas políticas e culturais de cada contexto. Assim, meu texto pretende enfocar duas vozes poéticas femininas que, de maneiras diversas, fazem ecoar os princípios da negritude, reinterpretando-a à luz de suas agendas específicas: Noémia de Sousa, inserida no ambiente português e africano dos anos 50, e a cantora brasileira Luedji Luna, que retoma questões centrais do mesmo tema no contexto brasileiro pós-ações afirmativas. Através da abordagem dessas duas vozes, pretendo identificar redes transnacionais de construção de solidariedade planetária em perspectiva feminista e negra.
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