"Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu" (Clarice Lispector)** Psicanalista; Professora da Escola Nacional de Saúde Públi-ca/ Fiocruz * Trabalho originalmente apresentado na 1: Conferência Nacional de Saúde e Direito das Mulheres -1986 -Brasília, DF.Sabemos ser condição, no mundo humano, que os acontecimentos vividos só são significativos quando ganham uma possibilidade de serem nomeados, postos em linguagem. E isto é o que nos permite dizer que, também, sofremos do que não se pode dizer. A censura, exercida por um discurso socialmente dominante sobre as mulheres, tende a não deixar lugar para o aparecimento do que não entra na coerência própria deste discurso. E os movimentos sociais das mulheres têm o mérito de terem apontado para uma profunda distorção e desconhecimento entre estes discursos e as práticas afirmadas sobre o que são as mulheres e a vida real vivida, dada num determinado contexto social.Desse novo discurso sobre as mulheres, creio ainda não podermos avaliar as conseqüências que gera, mas podemos identificar os alvos para onde o combate se dirige. Lutando para desfazer as imagens de "devoção", "sacrifício", "feita para sofrer", "submissa e resignada", "complemento do homem", associadas à maternidade e à vida sexual da mulher, a luta posta em movimento coloca em dificuldades as instituições enrijecidas do casamento, da vida familiar, da educação, da saúde e do trabalho, no que diz respeito aos mecanismos de repetição sem criação dos papéis socialmente esperados para as mulheres.Os temas privilegiados para a reflexão passam a ser a censura do corpo da mulher, a histeria, a homossexualidade, a depressão, o estupro, o aborto, pois quando as mulheres começam a falar delas, começam a falar de coisas que também não se falam, rompendo o silêncio de vivências encaradas como tabus.Desse modo, instauram o tempo de falar na l a pessoa, desautorizando, assim, o regime de procuração e tutela que historicamente confiscou o que é da mulher de modo a fragilizá-la, desqualificá-la, impedindo o acesso a si mesma e, conseqüentemente, a outros. Condenadas por este regime de tutela a interrogar o desejo dos outros para ascender a um fantasma de ser algo conforme os signos destes desejos, as mulheres, de diferentes formas (umas mais organizadas, outras ainda dispersas), não aceitam mais se ausentarem de seu próprio corpo, silenciar sua palavra, negar seu desejo próprio.
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