Este artigo explora o papel que os valores, e um certo modo de vivê-los, pode ter para a consolidação da democracia no Brasil. Na primeira parte, mostra, com o auxílio de Charles Taylor, como a proposta de democracia deliberativa e procedimental de Habermas contempla as idéias de razão e interesse bem compreendidos, mas soterra a importância do ''sentimento bem compreendido'' - dos valores que a originaram historicamente. Na segunda parte, o artigo examina as grandes configurações expressivistas e não racionalistas de valores que conformaram a identidade brasileira - o barroco, o romantismo e o modernismo - e como esta tradição, e os valores que nela habitam, podem ser mobilizados para a nossa plena democratização e para a permanência dos próprios procedimentos democráticos.
Ao reconhecer o impacto de processos deflagrados nos séculos passados, e acelerados nos últimos cinqüenta anos, as ciências sociais têm apontado a fragmentação como a característica central das sociedades atuais. Fragmentação estrutural, materializada na constituição de subsistemas autopoié-ticos e no descentramento das sociedades, e cultural, derivada da pluralidade competitiva de concepções morais ou de horizontes de vida. Esta nova paisagem social, constituída por galáxias independentes, não mais se submeteria aos modelos democráticos e utópicos erguidos ao longo da modernidade, todos envolvidos pela expectativa de uma unidade social e cultural tecida ao longo da história. Admitida a obsolescência dos antigos modelos, a teoria social elege como sua tarefa a reflexão sistemática sobre formas de vida democráticas e solidárias em circunstâncias novíssimas e desafiadoras.Este esforço de reinvenção democrática constitui o eixo do debate, ainda inconcluso, entre procedimentalistas e comunitaristas, referências polares da teoria social contemporânea. Em princípio, as teorias procedimentalistas e comunitaristas diferenciam-se pelo peso determinante que conferem ou aos valores partilhados ou aos procedimentos de liberdade na imaginação de formas democráti-cas de vida. Aceitando o diagnóstico da fragmentação social, autores como Habermas (2000Habermas ( , 2001 e Rawls (1981Rawls ( , 2000 insistem na democracia como o uso público da razão, garantido por procedimentos igualitários e de liberdade. O procedimentalismo não recusa a presença de culturas políticas ou perspectivas
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