A República Popular Democrática da Coreia/RPDC (Coreia do Norte) é um dos Estados menos conhecidos e difíceis de compreender do mundo, e uma das razões disso é a contínua criação política de narrativas ideológicas caricaturais promovidas por atores Ocidentais. Mesmo no meio acadêmico, constitui um tema tabu, o que prejudica a análise de processos em curso, que passam despercebidos. Apesar de considerada um fóssil da Guerra Fria, sempre no limite do colapso, o que se observa é uma população que demonstra vitalidade e um hábil regime que domina a arte da política e da diplomacia. Senão, como explicar sua sobrevivência numa situação permanentemente adversa? Todavia, a questão que será abordada, é a existência de um peculiar processo de transição por parte da nova liderança, que busca uma paradoxal modernização sem reforma. Uma estratégia insensata e suicida, ou sua reelaboração, com base em sólidas tradições políticas?
Condicionantes históricos do nacionalismo e da revoluçãoA Coreia constitui uma nação antiga, homogênea e de notável continuidade histórica, que realizou uma das revoluções menos conhecidas no Ocidente, e a divisão da península, por razões diplomáticas, fez com que a revolução ficasse restrita ao Norte, embora fosse um fenômeno nacional. O país constitui a única nação completamente encravada entre grandes potências: China, Rússia, Japão e, * Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil (paulovi@ufrgs.br). ** Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil (ana.danilevicz@ufrgs.br).A discretA trAnsição dA coreiA do norte: diplomAciA de risco e modernizAção sem reformA 177 Revista BRasileiRa de Política inteRnacional pela projeção de poder na região, Estados Unidos. Esta circunstância condicionou sua política externa, tanto como país unido e subjugado ao Japão que foi no passado, quanto posteriormente como nação dividida por uma guerra civil e pela rivalidade internacional da Guerra Fria. Ainda que assegurando forte identidade, unidade e continuidade histórica, a Coreia gravitou, ao longo de sua evolução, entre o sistema tributário chinês, o isolamento e a interação com o Japão. Esta situação, contudo, enfraqueceu-se desde meados do século 19, na medida em que a China era progressivamente subjugada pelas potências ocidentais e pela derrota frente ao Japão em 1894-1895, o qual derrotou a Rússia em 1904-5 e anexou a Coreia em 1910.O colonialismo japonês na Coreia foi peculiar. Ainda que oprimindo política e culturalmente os coreanos e explorando-os como mão de obra barata, os japoneses criaram uma infraestrutura moderna no país (transporte e administração), bem como uma base industrial e mineradora consideráveis. Isso se devia não apenas a um projeto assimilacionista e à proximidade entre o arquipélago e a península, mas também à própria estrutura da economia japonesa e às circunstâncias regionais. Dessa forma, a Coreia, ainda que permanecesse como um país ...