Lívia Natália (1979), baiana, é poeta e professora. Mestre e doutora em teoria e crítica da literatura e da cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde também leciona teoria da literatura. Seu primeiro livro, Água negra, de 2011, recebeu o "Prêmio Banco Capital Cultura e Arte-Poesia". Em 2015 publicou o volume de poemas Correntezas e outros estudos marinhos. Qual a sua relação com a literatura?Eu escrevo desde sempre. Eu escrevo desde quando era muito pequena, porque eu sempre fui uma pessoa muito do silêncio, muito solitária, muito de ficar quieta. O silêncio é uma coisa que realmente me captura. Poucas coisas me atraem tanto quanto ficar quieta. Então essa coisa da solidão, do silêncio, do isolamento, isso me fez escrever e depois os temas foram aparecendo. Alguém observou no meu primeiro livro, que é o Água negra, que se falava muito em silêncio, em inquietude, em ausência, e depois outros temas foram aparecendo no decorrer do tempo. Então, eu escrevo porque eu preciso escrever. Clarice tem uma frase da qual eu gosto muito na qual ela diz que escreve para poder transformar o mundo -que é muito grande -em alguma coisa que caiba dentro da boca. É mais ou menos por isso que eu escrevo também. Você acha importante se dizer autora negra dentro do campo literário brasileiro? O rótulo demarca ou aprisiona?Eu acho que ser uma autora negra demarca de onde eu falo, porque eu posso ser uma escritora simplesmente, sem me comprometer de maneira nenhuma com todas as questões raciais, mas essa não sou eu. Não seria o
Esmeralda Ribeiro, nascida em São Paulo, é escritora e jornalista. Faz parte da Geração Quilombhoje 4 desde 1982, atuando em movimentos de combate ao racismo e na construção de uma literatura negra -com incentivo à participação da mulher -, a partir do resgaste da memória e das tradições africanas e afrobrasileiras. Em 1981, publicou o livro de contos Malungos & milongas. Também tem poemas em diversas antologias no Brasil e no exterior. Desde 1999 edita, com Marcio Barbosa, os Cadernos negros, entre outras publicações. Qual a sua relação com a literatura?É uma relação de amor, não aquele piegas, sem grudes, sem dormir na mesma cama e nem na fama. A relação rola quando precisa. A literatura é minha amiga, mas ao mesmo tempo minha inimiga. Há cobranças. Minha relação é uma batalha diária, porque meus padrões literários não se encaixam no padrão estético de ser uma escritora. Prefiro uma relação de sinceridade, sem incorporar um personagem no mundo real. A minha relação com a literatura é literal. Escrever é um ato de vida. É o ponto de equilíbrio de saúde mental e intelectual. Incorporação literária, que contém ancestralidade, realidade, ficção, premonição. Uma relação de ativista. É ter a ilusão de escrever um conto e criar personagens, situações e soluções. Ser uma "Deusa". Sim, ser "Deusa" é um exercício criativo. Escrevo para ver a vida de forma positiva. O "não" que me acompanha no meu dia a dia não me assusta. O "não" para mim é algo a superar. Também entre os muitos "nãos" sempre tem os "sims" gratificantes e duradouros.
Mel Adún (1978), residente em Salvador, é escritora, pesquisadora, membro e assessora de imprensa do Coletivo Ogum's Toques Negros. Também é colaboradora em vários números dos Cadernos negros. Iniciou sua carreira literária em 2007, realizando diversos escritos (romances, contos e poesias). Seus textos trazem uma forte presença do lugar feminino e, especialmente, do feminino negro. Em 2015, publicou o livro infantil A lua cheia de vento. Qual a sua relação com a literatura?Minha relação com a literatura é antiga. Não sei precisar quando começou, mas se fez presente na minha vida a partir das leituras, sempre que possível, de mainha. A literatura sempre foi uma companhia e hoje continua sendo. O diálogo com o mundo não fica só na minha cabeça, transpassa para o papel nas formas mais variadas. Você acha importante se dizer autora negra dentro do campo literário brasileiro? O rótulo demarca ou aprisiona sua trajetória?Afirmar nos coloca um passo à frente da suposta democracia racial brasileira. Ser chamada de escritora negra não me aprisiona; não aprisiona meu texto. Muito pelo contrário. Liberta-me de ter que pisar em ovos ao mesmo tempo que me desafia no exercício da escrita. O que nos aprisiona, nos torna invisível e nos mata, é o racismo. O racismo presente na sociedade brasileira afeta a sua produção?Indiscutivelmente, sim. O texto sempre passará por mim. O que não significa que a minha produção seja "diminuída" pelo racismo.
Mudou-se para São Paulo, trazida pela família no ano seguinte. Em 1999 participou da fundação da Posse Poder e Revolução-grupo de pessoas, ligadas ao movimento hip-hop, dispostas a realizar intervenções políticas e culturais em suas comunidades. No mesmo ano iniciou o curso de Letras na
O mais recente romance de Stella Florence, intitulado Eu me possuo e publicado pela editora Panda Books (2016), aborda a violência contra a mulher ao tratar de um estupro ocorrido no final da adolescência e perpetrado por um pretendente da protagonista. Nesse romance voltado para o público jovem, Florence mantém o humor que parece caracterizar a sua produção, mesmo ao tratar de um tema tão delicado e caro às discussões feministas como é a questão da violência sexual.Se a violência contra a mulher é um dos temas mais prementes da atualidade, tendo em vista as estatísticas que revelam a persistência da violência de gênero no mundo, ainda há muito que falar sobre os tipos de violências que sofremos. Um dos problemas centrais ao se falar de violência é seu próprio conceito, e o desconhecimento sobre o que de fato essa palavra abarca muitas vezes impede o reconhecimento da violência em si, tanto por parte da vítima como por parte do agressor.Ao propor uma discussão sobre o estupro e a cultura do estupro, o romance de Stella Florence, Eu me possuo (2016), surge em meio a um cenário de ausências, tanto na abordagem do tema na literatura brasileira contemporânea quanto em sua observação por parte da própria crítica literária. O romance narra a história de Karina, uma estudante universitária que foi estuprada pelo seu pretendente no que seria sua primeira relação sexual. Sem compreender direito o que lhe ocorreu, Karina procura a avó, com quem conversa sobre o assunto, rompendo a barreira do silêncio que aprisiona tantas sobreviventes, e encontra o apoio de que necessita para reconhecer a violência sofrida e se libertar da culpa que sentiu. Anos depois, a memória dessa noite ressurge com o retorno do rapaz, com quem a personagem volta a conversar, e que até então não estava ciente de que havia estuprado a garota.Em Gênero, patriarcado e violência, a socióloga Heleieth Saffioti comenta que, de forma geral, a violência tende a ser compreendida como "a ruptura de qualquer forma de integridade da vítima:
1 Our silence will not protect usAudre Lorde A violência contra a mulher é considerada hoje um problema de saúde pública global. De acordo com o relatório de status global na prevenção da violência de 2014, publicado pela Organização Mundial de Saúde, uma em cada cinco mulheres relataram ter sido abusadas sexualmente na infância, e uma em cada três mulheres foram vítimas de violência sexual ou física por parceiro íntimo em determinado momento de suas vidas (WHO, 2014). Apesar dos programas e iniciativas de prevenção por parte de governos e instituições em todo o mundo, ainda há muito a ser feito para acabar com a desigualdade e a consequente violência de gênero.Do ponto de vista da literatura, a mesma preocupação que tem motivado mais estudos e ações governamentais visando o fim da violência contra a mulher parece também motivar autores contemporâneos a escrever sobre o tema. Ainda que cientes de que a literatura não tem o poder de reestabelecer a ordem do mundo e corrigir suas desigualdades, não podemos nos esquecer de seu poder de denúncia, assim como de sua capacidade de promover reflexões sobre questões importantes de nosso cotidiano e, consequentemente, de ser o primeiro passo para a conscientização rumo a uma mudança. Na literatura brasileira contemporânea, o recém-publicado romance da escritora Tatiana Salem Levy 2 traz para a cena literária brasileira, pela perspectiva feminina, as várias formas de violência a que as mulheres estão sujeitas, o que justifica a escolha deste romance para a análise que faremos a seguir. Em um cenário ainda alarmante de violência, em que 1 Doutoranda em literatura na Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil. E-mail: qpaulad@gmail.com 2 Não é a primeira vez que a questão da violência contra a mulher aparece na obra de Tatiana Salem Levy. Em A chave de casa (2007), seu premiado romance de estreia, a autora aborda, entre outros assuntos, a violência por parceiro íntimo em uma relação abusiva e o consequente trauma em uma das personagens. Já Dois rios (2011), seu segundo romance, não versa sobre o tema em foco nesse artigo, a violência contra a mulher.
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