143Uma "impossibilidade impossível de dizer" Uma "PoSSibilidade imPoSSível de dizer": o aConteCimento em filoSofia e em literatura, Segundo jaCqueS DerridaOsvaldo Fontes Filho 1 RESUMO: Este artigo focaliza certa "possibilidade impossível de dizer o acontecimento", motivo fértil nos últimos escritos de Derrida. A expressão "a possibilidade do impossível", emprestada do pensamento heideggeriano da Ereignis, concorre a uma ética aporética que repensa as figuras da responsabilidade face à "inapropriabilidade do que acontece". Nos lugares bem conhecidos da lógica derridiana da aporia -a justiça rebelde à regra, o "fantasma do indecidível" em cada acontecimento de decisão, a ilegalidade de toda invenção -, uma ética da alteridade propõe o sujeito apartado dos lugares da adequação a si, ao sabor da interpelação inderivável do acontecer. A dimensão da alteridade de toda decisão solicita a cada situação que se invente "a lei do acontecimento singular", promessa de originalidade. Ora, dizer a "singularidade incalculável e excepcional" do acontecimento é propósito que, para Derrida, somente se justifica como promessa de uma "monolíngua do outro", superfície comunicacional homogênea onde interromper a disseminação. Face às "reservas de indecidível" da ficção, essa promessa de unicidade conhece sua mais evidente impossibilidade, razão porque este artigo procura, por fim, avaliar a fertilidade desconstrutora da relação testemunho-ficção em literatura, nos momentos em que o pensamento de Derrida rompe com as categorias de verdade, de modo a revelar o literário como o "outro" do filosófico. PALAVRAS-CHAVE:Acontecimento. Filosofia. Literatura. Singularidade. Alteridade. Testemunho. Verdade.
Mergulhar como iria fazer no coração do continente negro, [...] Egresso da "atmosfera de parada" do grupo surrealista de André Breton, Michel Leiris mostra-se à época de sua colaboração na revista Documents (1929)(1930)(1931), nas palavras de Georges Bataille, um "aturdido acuado", assemelhado a "uma criança pega na traquinagem, bruscamente zeloso de observar alguma disciplina escrupulosa". Essa disciplina, acrescenta Bataille, "ele a observava com um olhar vago e disperso... ávido obliquamente do que não ousava, desobedecer ou fugir" (Bataille 2004:55). De certo modo, é pelo viés etnográfico da maioria de seus artigos para a publicação -heterodoxa etnografia infensa ao "ponto de vista do gosto e da estética" (Einstein 1991a:104) 1 -que Leiris procurará assimilar a desobediência marcadamente "sacrílega" de Documents, bem como dar livre curso à sua aspiração pessoal de fuga.James Clifford considera a etnografia da publicação sua "tonalidade extravagante", por força do questionamento das normas, da "crítica cultural subversiva" que promove, afeita ao exotismo, ao paradoxal, ao insólito, nos estertores da Arte majestática, que então já sucumbira "sob a artilharia
Em sua vasta obra, Jacques Rancière tem apontado com recorrência para modos de entendimento da noção de representação e suas normativas de organização do fazer, do ver e do julgar. Este texto procura esclarecer em que medida se torna possível estimar, nos registros do que Rancière denomina o “regime estético das artes”, a expressão artística de acontecimentos ditos impensáveis ou irrepresentáveis. Analisar nessa chave a obra (musical e visual) de William Basinski The Disintegration Loops, em torno doa atentados de 11 de setembro de 2001, permite pensar modos de inserção de uma arte não representativa no interior de um contexto de resposta afetiva à catástrofe, bem como questionar criticamente a valorização do conceito de sublime sobre o pano de fundo de uma suposta crise pós-moderna da representação.
Este artigo focaliza a figura do artista engajado da atualidade, personificado por Thomas Hirschhorn, cuja obra trabalha nos limites da precariedade material. Seus trabalhos privilegiam o diálogo com o Outro, em empenho por repolitizar a arte. Procura-se caracterizar o artista-produtor em seu apelo a Georges Bataille (1897-1962), teórico da transgressão que preconizou para a modernidade um dispêndio insensato de formas e energia como contrafação dos mecanismos regrados do consumo moderno. A reflexão explora, por fim, os recursos da cultura da alteridade absorvida por uma arte política, e os riscos que incorre de formalismo e de condescendência etnográfica no trato com os marginalizados da atualidade.
A arte de reivindicação de Rosana Paulino é um lugar privilegiado para colocar à prova recentes discussões sobre as relações entre arte e política e o papel desempenhado ali pelo pensamento de Jacques Rancière. Neste texto são expostas algumas interrogações em torno da eficácia estética e política de uma obra que tenta reconfigurar o discurso sobre a identidade e a história afro-brasileiras e combater as interdições correntes do Outro.
Este texto percorre alguns lugares na obra literária de Apollinaire que são motivados pelas errâncias urbanas do autor. Uma modernização do olhar ali se evidencia: investido de um viés alegórico e mítico, a favor de um inusitado sentimento de estranhamento do banal cotidiano, esse olhar concorre a um jogo lírico, por vezes elegíaco, que o escritor estabelece entre tempos, objetos e figuras. O errante apollinairiano concede, assim, polissêmica profundidade para o espaço e o tempo vividos, sobre fundo de uma despersonalização crescente imposta pela metrópole moderna. A adesão do poeta às formas da vida citadina revela-se, por fim, potência órfica de transfiguração lírica e mítica do presente. Palavras-chave: errância; modernidade; Apollinaire.
O ensaio de Gilles Deleuze La logique de la sensation é texto que se detém principalmente na prática e na eficácia da imagem. A pintura de Francis Bacon é ali tomada como paradigma de modernidade ao investir contra os clichês expressivos e ao produzir imagem junto à brutalidade dos fatos, como um contra-efeito do narrativo. Em uma obra que conjura todo modelo a representar, toda história a contar, “alguma coisa se passa”, explica Deleuze, “que define o funcionamento da pintura”. Algo se passa, tem lugar: o acontecimento de uma catástrofe e de uma histeria no ato de pintura que acomete a Figura de modo a transmitir uma potencial violência de reação e de expressão. O “Bacon” de Deleuze apresenta a realidade vivida em uma nova e não-convencional ordem de sensação. Neste artigo, são comentados os modos como o filósofo interpreta os atos físicos da pintura de Bacon — marcas aleatórias, varredura da massa pictural, escansão das superfícies —, procedimentos que introduzem no mundo visual da figuração a variedade caótica dos fatos e sentidos. Mostra-se como as faces e as figuras contorcidas, distorcidas, escorchadas de Bacon recebem uma voz conceitual complementar no texto de Deleuze. Consequentemente, focaliza-se a disposição de alguns conceitos do filósofo: diagrama, Figura, diferença, espaço háptico. Locados no espaço afetivo ou na “lógica da sensação” da pintura baconiana, esses conceitos atribuem legitimidade ao entrelaçamento e à co-implicação entre arte e filosofia. Uma última observação dá conta do fato de a prática da imagem em Bacon, apresentada por Deleuze no palco de uma modernidade particularmente solapada por um “dilúvio anestésico de imagens reprimindo a possibilidade de pensar”, evidenciar para o filósofo os rumos necessariamente sinuosos, “reptilíneos”, do pensamento moderno. Tanto o conceito como a forma criam por catástrofe, por conflagração, por variações alotrópicas.
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