Resumo: A proposta deste estudo é explorar aspectos ainda pouco conhecidos do funcionamento da Inquisição portuguesa: como, por que e quando candidaturas para cargos de agentes inquisitoriais foram reprovadas. Para isso, a investigação centra-se em dois eixos de interesse. Primeiro, analisa os procedimentos administrativos tomados pela instituição para rejeitar habilitandos considerados inaptos, predominantemente aspirantes aos postos de comissário e familiar do Santo Ofício, apontando quais foram os principais motivos embargantes. Depois, a partir do exame integral da subsérie Habilitações Incompletas do Tribunal do Santo Ofício, apresenta, por meio do levantamento estatístico, como se deu a distribuição temporal e espacial destes processos no espaço territorial do Império lusitano, com atenção especial para a América portuguesa.
Este artigo examina o fracasso de membros da elite eclesiástica colonial portuguesa no acesso às habilitações da Inquisição, buscando identificar as circunstâncias do veto destes padres na carreira inquisitorial. O arrolamento das habilitações incompletas do Tribunal do Santo Ofício permitiu levantar dezenas de habilitandos que eram eclesiásticos ocupantes de postos prestigiosos nas dioceses do império, atuantes em funções como deão, chantre e arcediago, ou ainda nas justiças eclesiásticas, como vigário da vara e vigário-geral, mas que terminaram rejeitados em postos da Inquisição especialmente por dois motivos: ter mau procedimento ou ser de origem cristã-nova. A pesquisa identifica as estratégias empregadas por padres controversos na busca pela comissaria depois de alcançarem postos de destaque nas catedrais ultramarinas. O argumento central é que, se o acesso à alta hierarquia diocesana dos territórios coloniais poderia servir como plataforma de distinção a sacerdotes de honra contestável, diante da possibilidade menos rígida de construção da autoridade nos mundos coloniais, mais distantes do centro normatizador e governativo, o mesmo não se verificou nos provimentos do Santo Ofício, em razão da maior exigência e do controle mais centralizado da política de recrutamento da instituição.
O objetivo deste artigo é identificar os candidatos reprovados no Tribunal do Santo Ofício que viviam na sociedade mineira colonial e analisar as circunstâncias que marcaram a recusa destes pretendentes, bem como compreender em alguma medida o que este fracasso representou para tais personagens. Por meio do cruzamento dos processos indeferidos – Habilitações Incompletas do Tribunal do Santo Ofício – com requerimentos ao Conselho Ultramarino e fontes cartoriais dos arquivos mineiros, esta investigação busca analisar a mobilidade social pelo avesso, ou seja, pelo prisma do fracasso. O argumento central é de que o acesso a cargos de agentes da Inquisição, valioso emulador de prestígio no Império português, foi artifício importante para consolidar a autoridade e o poder de mando na sociedade mineira, mas quando não foi possível usufruir deste mecanismo, em razão da rejeição de suas candidaturas, estes homens contornaram o fracasso na carreira inquisitorial e reelaboraram o projeto de escalada social por meio de outras formas de distinção. Isso parece ter sido possível em razão da singularidade dos marcadores sociais do mundo colonial, menos obsessivo com a pureza de sangue, condição ainda mais acentuada na sociedade mineira, marcada por sua fluidez social.
O interesse central deste artigo é, a partir da reconstituição e da análise da trajetória do ourives do ouro Antônio Pereira Colaço, compreender os meandros institucionais do Tribunal do Santo Ofício em seu exercício de classificação social, com especial atenção ao peso que a fama pública teve na avaliação de candidaturas em dois momentos diferentes da história desse órgão. O roteiro de vida do personagem, que foi de aspirante a familiar do Santo Ofício a réu preso e processado pela Inquisição, faz de sua trajetória um arquétipo processual bastante representativo das conjunturas vividas por muitos frente ao poder punitivo e também classificatório da instituição. O exame desse enredo visa colaborar com a compreensão da historicidade dos regimes simbólicos do provimento inquisitorial e, em alguma medida, com a mensuração do impacto que teve a Inquisição na estigmatização e na exclusão social no Antigo Regime português.
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