Em artigo intitulado "O direito à literatura", o crítico literário Antonio Candido define o acesso à literatura como um dos direitos humanos básicos, indispensável não à sobrevivência física, mas ao pleno desenvolvimento do imaginário. Ressaltando o papel humanizador profundo exercido pelas manifestações literárias em nossa formação individual, Candido advoga a importância do conhecimento das mais variadas formas de expressão literária, sejam elas legitimadas pelo sistema cultural hegemônico, sejam oriundas de movimentos de negação do estado de coisas predominante.Mesmo no que diz respeito à literatura de forte viés social, o crítico paulista entende que "a eficácia humana é função da eficácia estética", e que, portanto, "o que na literatura age como força humanizadora é a própria literatura, ou seja, a capacidade de criar formas pertinentes" (Candido, 2004, p. 182). São, dessa forma, as palavras organizadas que, sugerindo ao leitor um modelo de ordenamento do mundo, lhe orientam no sentido da compreensão de si e do seu entorno.Os diários de Carolina Maria de Jesus, publicados no início dos anos 1960 sob o título Quarto de despejo: diário de uma favelada, constituem exemplo cabal da assertiva de Cândido, pois não revelam apenas a palavra de uma mulher pobre, preta, mãe solteira por três vezes, favelada e semianalfabeta. Revelam o talento da autora na reconstrução 1 Doutora em literatura brasileira e professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS, Brasil.
Resumo: A produção literária de Plínio Marcos foi marcada por forte cunho social. Em suas peças, contos e crônicas, o autor representou cenários e personagens socialmente marginalizados, tais como prostitutas, homossexuais e criminosos. Frequentemente, apontou a condição degradante e violenta da vida desses sujeitos e denunciou a negligência do Estado opressor para com essa parcela da população -o que garantiu ao autor severa perseguição pela censura no período da ditadura militar. Neste trabalho, pretendemos apresentar a obra de Plínio Marcos como um ato de resistência, através da análise da peça O abajur lilás (1969). Nosso objetivo é identificar quais representações do tema prostituição estão presentes no texto, com especial enfoque às personagens femininas, tentando perceber se tais personagens encaixam-se no binarismo "sagrada x profana" discutido por Moreira (2007) e nos conceitos discutidos por Alves (2002) e Eble (2011). A partir das falas das personagens e das relações que elas estabelecem, observaremos que essas representações, na peça aqui analisada, não são construídas através de estereótipos e de exotismo, limites da representação propostos por Gonzaga (1981) que poderiam questionar o caráter de contestação de uma obra dita "marginal".Palavras-chave: Literatura marginal. Representação. Prostituição. Abstract:The literary works of Plínio Marcos were always known as carriers of a strong social tone. In his plays, short stories and chronicles the author represented settings and characters that are socially marginalized, such as prostitutes, homosexuals and criminals. He frequently pointed out how degrading and violent were the lives of these subjects and denounced the government's negligence towards these people -what resulted in a severe persecution by the censorship of the military dictatorship period. In this essay, we intend to present Plínio Marcos' literary works as a resistance act, by analyzing the playwright O abajur lilás (1969). Our objective is to identify which representations of the prostitution theme are present in the text, focusing on the female characters and identifying if they fit the binarism "sacred x profane" brought by Moreira (2007), taking, also, into account the concepts brought by Alves (2002) and Eble (2011). Through the analysis of these character's speech and the relations they establish, we will observe that in this playwright the characters are not built with the use of stereotypes or exotism, what is assumed by Gonzaga (1981) as being the limits of representation that could question the contesting nature of a literary work identified as "marginal".
Morar dentro do tema é complicado. FerrézParte da ficção brasileira contemporânea, marcada no seu todo por um imaginário notadamente urbano, desconhece o estranhamento provocado pelo entorno movediço e opaco, que impede as personagens de reconhecer a paisagem à sua volta e igualmente de reconhecer a si mesmas nas trajetórias que realizam por esse espaço indeterminado. Isso porque as cidades, "tornadas impalpáveis e indistintas pela velocidade, são do domínio de poucos" (Dalcastagnè, 2003, p. 19). Essa ficção não apenas emerge de um território concreto da geografia urbana do país como também o reconstrói dentro do espaço narrativo como agente crucial no processo de construção identitária de seus habitantes. Ela anda na contramão da "desterritorialização", traço da narrativa brasileira do século XXI apontado por diferentes críticos com sentidos específicos na abordagem de cada um deles.É Ferréz, a partir da publicação de Capão Pecado, em 2000, quem divulga e aglutina um conjunto de autores egressos de regiões urbanas marcadas pela miséria e pelas altas taxas de criminalidade. Com o romance, que aborda a rotina violenta do bairro paulistano Capão Redondo, e as obras coletivas que organiza, inicialmente em números especiais da revista Caros Amigos, lançados entre 2001 e 2004, e por fim no livro Literatura marginal: talentos da escrita periférica, de 2005, ganha força uma vertente literária não apenas enraizada em um espaço de precariedade, como também militantemente voltada a promovê-lo como produtor de cultura. No prefácio 1 Doutora em literatura brasileira e professora adjunta de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS, Brasil.
O artigo analisa a obra Contos negreiros, de MarcelinoFreire, entendendo-a como uma miscelânea de vozes provenientes das margens sociais de nosso país cuja emergência no terreno ficcional alarga os horizontes de representação da literatura brasileira contemporânea devido à afirmação da diferença de que são portadoras. Aponta nos contos a presença do discurso direto dos personagens, destituído da mediação tradicional de um narrador que pudesse cercear-lhes a autonomia. Aponta igualmente a presença de uma forma híbrida nos textos, marcados pela mescla entre o canto e o conto, entre a oralidade africana e a escrita letrada, forma esta que julga-se propícia a criar meios para a emergência da voz do Outro que ali ressoa com pungência suas razões e suas dores ancestrais.
Inserida no contexto da globalização, a ficção brasileira contemporânea recebe e processa os influxos da cultura desta etapa mais recente do capitalismo, na qual disseminam-se imagens padronizadas vinculadas à dinâmica do consumo e na qual, dialeticamente, emergem afirmações particularistas em relação a espaço, etnia ou gênero, entre outras marcas identitárias de alteridade. Carolina Maria de Jesus destaca-se nos primórdios desse cenário como autora em todos esses aspectos excêntrica, mas igualmente como produtora de uma escrita que escapa a quaisquer essencialismos, trazendo a marca do hibridismo. O artigo pretende analisar o descentramento que lhe é peculiar como decorrente de um processo de criação conceituado por Raffaella Fernandez (2015) como “poética de resíduos”, que consiste em uma mescla de estilos literários desterritorializados, muitas vezes em atrito e sem síntese possível no interior de Quarto de despejo: diário de uma favelada.
A partir das ideias do arqueólogo González Ruibal sobre a necessidade de criar formas alternativas de traduzir os restos do passado e as de Randall Mcguire sobre arqueologia e ação política, procuramos discutir o fazer arqueológico enquanto ação política e demonstrar que a materialidade tem o poder de nos despertar para os acontecimentos do passado. Para isso, usamos como exemplo a Instalação Vestígios de uma ausência: Uma arqueologia da Repressão, pensada em 2014 pelos alunos da disciplina Arqueologia do Capitalismo III, da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. A Instalação teve como objetivo principal divulgar repressão durante a Ditadura Militar brasileira através dos objetos e sem o uso de palavras. Através da leitura dos escritos deixados pelo público que visitou a Instalação, procuramos demonstrar a eficácia dessa forma alternativa de divulgar o conhecimento do passado.
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