Neste artigo, correlacionamos o desenvolvimento e o protagonismo público-políticos do Movimento Indígena brasileiro, a partir de meados de 1970, com a emergência e a consolidação da literatura indígena brasileira, a partir de 1990. Argumentaremos que, assim como as lideranças e os intelectuais indígenas fundadores do Movimento Indígena perceberam que somente a publicização e a politização de sua condição e de sua causa a partir da dinamização de uma voz-práxis direta, dos próprios indígenas por si mesmos e desde si mesmos, sem mediações institucionalistas, poderiam desvelar e problematizar a situação indígena no país, os escritores indígenas perceberam que somente produzindo suas próprias obras poderiam tanto descontruir a imagem caricata, folclórica e negativa feita de modo extemporâneo sobre seus povos, quanto reorientar o olhar, reformular a compreensão e recriar a imagem desses mesmos indígenas. Nesse sentido, a literatura indígena brasileira vincula-se diretamente ao Movimento Indígena e objetiva a publicização e a politização dos povos indígenas, constituindo-se em uma voz-práxis ativista, militante e engajada, em que o eu-nós lírico-político assume a promoção da singularidade antropológica e da diversidade cultural, e a denúncia da exclusão, da marginalização e da violência como seu objetivo e seu direcionamento mais básicos, buscando superar a invisibilização, o silenciamento e o privatismo a que os povos indígenas foram submetidos em nossa sociedade.
Na esteira dos estudos sobre ontologia relacional e ontologia política de Arturo Escobar (2015), desenvolvemos neste artigo uma leitura da obra A queda do céu: palavras de um xamã yanomami (2015). Nosso argumento central consiste em defender os seguintes pontos: primeiro, relacionado diretamente com a teoria de Escobar, que a cosmologia yanomami apresenta-se como um outro mundo capaz de dar sentido à sua existência individual e coletiva de modo diferenciado à matriz ocidental e totalmente capaz de suprir todas as suas necessidades materiais e simbólicas; e, segundo, de que a cosmologia e a política percebidas na obra não encerram o caráter estético da linguagem apresentada pelo xamã às sociedades não indígenas. Por isso, pluriverso, aqui, trata ao mesmo tempo do conceito de pluriverso de Escobar, para defender a existência de outros mundos aos olhos do Ocidente, mas também do caráter lírico que a obra enseja em termos da linguagem, seja nas metáforas do mundo yanomami traduzidas à língua portuguesa, seja no grafismo utilizado na obra, seja na narrativa, própria e singular ao universo do xamã Kopenawa.
Resumo Argumentaremos, por meio da análise da literatura produzida por intelectuais indígenas brasileiros/as hodiernos/as, acerca da centralidade do lugar de fala das minorias em termos de crítica, reconhecimento e resistência. Enfatizaremos a imbricação e o sustento entre epistemologia e política que convergem e aparecem diretamente no sujeito-grupo menor. Sua singularidade antropológica e sua condição de marginalização, exclusão e violência, uma vez publicizadas política e culturalmente, implicam na desnaturalização e na politização da sociedade, pluralizando histórias, experiências, sujeitos, práticas e valores. Assim, no sujeito-grupo de minorias, converge o próprio processo histórico-político de formação da sociedade, em suas potencialidades e contradições. É aqui que a voz-práxis estético-literária das minorias adquire toda a sua pungência e, por meio da abertura paradigmática possibilitada pela arte, leva a uma perspectiva de descolonização da cultura e de descatequização da mente que gera crítica social acentuada e reflexividade política intensificada.
Resumo Correlacionaremos descolonização africana e literatura indígena brasileira, enfatizando três ideias: o colonialismo é o eixo estruturante da produção do/a negro/a e do/a índio/a enquanto menoridade racialmente justificada, levando à sua invisibilização, ao seu silenciamento e ao seu privatismo, de modo que passam a ser representados/as pelo/a branco/a como seu/sua tutor/a, mestre e senhor/a; a descolonização, que somente pode ser feita pelo grupo-sujeito colonizado, confere todo protagonismo a esse mesmo grupo-sujeito menor que, desde essa condição como chaga e estigma racialmente fundado, publiciza sua voz e dinamiza sua práxis crítico-emancipatória; e a produção estético-literária passa a ser o lugar de autoconstituição normativa e de tematização das condições epistêmico-políticas que produzem-reproduzem as minorias político-culturais, tornando-se instrumento político basilar de enfrentamento do eurocentrismo-colonialismo-racismo. A descolonização, ao enfatizar a voz e o protagonismo do e pelo grupo-sujeito menor, desconstrói a ideia naturalizada de negro/a, índio/a, branco/a etc., mostrando-as como politicidade, relacionalidade, normatividade, historicidade.
Resumo: Apresenta-se, neste texto, a perspectiva de uma crítica da modernidade, por parte do pensamento indígena brasileiro, a partir da sua denúncia da modernização como movimento expansivo totalizante que tem, na imbricação de eurocentrismo-colonialismo-racismo e/como fascismo, seu núcleo estruturante e dinamizador. Defende-se a proposta de um pensamento-práxis indígena que oferece uma explicação alternativa da modernização, enquanto guerra de colonização calcada no racismo estrutural e tendo como consequência o etnocídio-genocídio planificado, o qual também propõe um papel epistêmico-político-normativo aos indígenas, por eles e desde suas formas de ser e estar no mundo, a saber, pacificar o branco. Com isso, inverte-se uma tripla lógica da modernidade: a modernidade como uma perspectiva endógena, autorreferencial e autossubsistente; a modernidade como movimento expansivo linear e reto, rumo ao universalismo pós-tradicional - e como universalismo pós-tradicional - via racionalidade cultural-comunicativa; e a modernidade como a condição exclusiva e necessária da crítica da modernização, da crítica do outro da modernidade e do sustento de uma noção universal de direitos humanos, os quais os outros da modernidade não conseguiriam gerar e nem sustentar.
Tendo por base a postura de ativismo, militância e engajamento da literatura indígena, procuraremos refletir sobre a correlação de literatura indígena brasileira, movimento indígena brasileiro e a questão da Ditadura Militar, haja vista que a emergência e a consolidação público-políticas desse movimento indígena ocorreram exatamente no contexto da Ditadura Militar e como reação aos processos de expansão socioeconômica rumo ao centro-oeste e ao norte do Brasil, promovidos e viabilizados por ela, situação que intensificou o etnocídio indígena. Nosso argumento central consiste em que podemos, a partir do estudo da literatura indígena, tomar conhecimento, pelo próprio relato autobiográfico, testemunhal e mnemônico dos indígenas, acerca de como sua situação social, que já era precária, foi piorada por tais projetos de expansão. Da mesma forma, esse estudo da literatura indígena também nos permite, em consequência, perceber o sentido e o direcionamento assumidos pelo movimento indígena no que tange a tais projetos, isto é, os povos, as lideranças e os intelectuais indígenas passaram a se organizar politicamente e a enraizar-se na esfera pública, política e cultural como forma de enfrentamento e de resistência a essa situação de etnocídio – sendo que a literatura por eles produzida é uma dessas ramificações do movimento indígena na esfera pública, política e cultural. E, assim, o estudo da literatura indígena nos permite ouvir a própria voz, a própria história dos indígenas por si mesmos, acerca de sua condição, de modo que a literatura indígena, em seu sentido aberto, anti-institucionalista, anti-cientificista e anti-tecnicista, lhes devolve a voz e o protagonismo estético-políticos.
Neste artigo, argumentaremos que os povos indígenas brasileiros, com suas lideranças e com seus/as intelectuais, assumiram e estilizaram a educação escolar formal, seus valores político-culturais, seus instrumentos epistemológicos e suas ferramentas midiático-digitais, como o caminho e a prática por excelência para a constituição de uma perspectiva ativista, militante e engajada tanto em termos de Movimento Indígena quanto no que se refere à constituição e à publicização da literatura indígena. No caso, portanto, os povos indígenas perceberam que somente afirmando sua cidadania política poderiam enfrentar de modo consistente os processos de exclusão, de marginalização e de violência ainda vigentes no Brasil contemporâneo, o que colocou essa mesma educação escolar formal como a base da socialização cultural e da formação epistemológico-política das comunidades indígenas, como o caminho para sua modernização político-cultural, para sua integração e participação na sociedade nacional. Ora, do Movimento Indígena origina-se, como sua base normativa, a crescente produção estético-cultural realizada por intelectuais indígenas, tendo como mote exatamente a crítica da cultura, a descatequização da mente e a reorientação do olhar relativamente aos povos indígenas brasileiros e, de um modo mais geral, acerca de nossa própria história. A partir da revisão bibliográfica de produções indígenas ligadas ao tema, buscar-se-á argumentar em torno à constituição correlata do Movimento Indígena e da literatura indígena como ativismo político-cultural direto, como práxis pedagógica democrática constituída e dinamizada pelos/as próprios/as indígenas, desde si mesmos/as e por si mesmos/as, a partir de sua inserção na cultura nacional por meio da educação escolar.
Este artigo tem por objetivo mostrar como que a literatura de autoria indígena brasileira é orientada pelo princípio do homem integrado à natureza. Autores como Sulamy Katy (2011), Kaká Werá Jecupé (2002), Ailton Krenak (2019), Daniel Munduruku (2016) e Renê Khitãulu (2002) são exemplos dessa escrita autorreferenciada em que podem ser encontrados este princípio. A partir das publicações autorais, os escritores indígenas passam a desmistificar noções ossificadas no imaginário nacional como bom selvagem, canibal, vítima passiva e até mesmo de resistente cultural. As análises das obras indígenas revelam que a autoria indígena denota sua singularidade na estrutura do pensamento ameríndio e oral, utilizando ferramentas ocidentalizadas como a escrita alfabética e a publicação. Apesar do uso destas ferramentas, conclui-se que há uma diferença notória na literatura de autoria indígena em relação à representação na literatura e na história brasileira do sujeito indígena como tema, uma vez que esta segue o princípio que dicotomiza as relações entre natureza e cultura; e, de modo diametralmente oposto, a literatura indígena exprime em suas obras o valor das relações entre o homem indígena e natureza.
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