Ião foi a arte que enfrentou a ditadura: foi a ditadura que enfrentou a arte, pois estava nesta, no Brasil dos anos 1950 e 1960, a semente de qualquer revolução, um questionamento profundo da propriedade privada. Esse questionamento chamou-se teoria do não objeto, chamou-se exercício experimental da liberdade, chamou-se "abandonar a arte como coisa", como mercadoria, objeto de luxo ou título de valor, para tornar-se experiência; propor o museu como escola, e propor o público como artista. Dissolver a fronteira entre arte e vida, o que era um boicote à relação capitalista entre produção e consumo.O projeto era liberar o homem, e quando esse é o projeto, quem está no poder tem de tomar providências. * * * Vou por partes. Primeiro, é preciso notar que essa arte revolucionária, que questionava a mercadoria, valor de troca e ordem social, não se alimentava da arte revolucionária da primeira metade do século XX. Uma ruptura tinha sido estabelecida entre a geração de Di Cavalcanti e Portinari, com suas telas figurativas, narrativas, seus retratos de proletários nas cidades industriais e camponeses na roça devastada, e a geração dos 50, os abstratos geométricos ou orgânicos.Após a Segunda Guerra, era difícil procurar uma saída figurativa. Esse caminho parecia esgotado, desde que o realismo socialista converteu a revolução em dogma, e sua arte, em catequeses. Em resumo, não esteve nas mãos dos artistas o papel de esgotar a arte figurativa: esteve nas mãos de Stalin acabar com a figuração, pelo menos durante um determinado intervalo.Escapando da disputa sobre se foram paulistas ou cariocas que começaram a abstração no país, 1 vale assinalar que o crítico de arte e político Mário Pedrosa foi fundamental na introdução dessa nova corrente. De volta ao Brasil em 1945, após a saída de Getulio Vargas do poder, Pedrosa se encarregou de difundir a obra de Calder, e de ter bate-papos com diferentes artistas sobre a Teoria da Gestalt que explica a percepção como um ato de organização. Assim, a visão de um objeto não é mera contemplação, mas o estabelecimento instantâneo de uma estrutura lógica. Os jogos das palavras que, tendo letras cruzadas, podem ser lidas, ou a imagem, já clássica, do vaso que às vezes é vaso e às vezes dois perfis tiveram sua origem nessa escola. Ver implica não só o olho, mas o cérebro, pois é este último quem organiza as partes e identifica aquilo que está sendo visto.
Este trabalho é um ponto de encontro entre dois artistas nova-iorquinos da segunda metade do século XX: Gordon Matta-Clark (Nova York, 1943-1978) e Félix González-Torres (Guaimaro, Cuba, 1957-Nova York, 1996) através de obras que se propõem como uma contradição nos termos: propriedades sem bem, ou a possibilidade de possuir um objeto materialmente inexistente. O primeiro, Gordon Matta-Clark, com a obra Propriedades Reais: Bens Fictícios, consistente na compra e registros fotográficos de bens imobiliários que, tendo seus limites marcados nas escrituras e nos mapas, não apresentam fronteiras perceptíveis no espaço físico. O segundo, Félix González-Torres com obras que encontram sua origem em Certificados de Autenticidade / Propriedade de objetos a ser manifestados, isto é, construídos pelo dono da peça ou por aquele que pedir emprestado o direito de montá-la. Propriedades sem bem que-enxergadas por Matta-Clark na década de 70, e construídas por González-Torres na década de 90-, abrem um leque de questionamentos sobre temas básicos de uma sociedade baseada no intercâmbio e na acumulação. A saber, a burocracia, o valor de troca e a noção de propriedade que, mais do que consistir em um objeto a ser possuído, consiste em um convênio a ser respeitado. Pacto ancorado em um complexo andaime econômico e legal, de números e de letras, que os dois artistas, desde cantos diferentes, percorrem até suas últimas consequências. Este texto é a história desse percurso. Palavras-chave: 1. Arte minimalista 2. Arte conceitual 3. Mercado da arte 4. Urbanismo. 5. Burocracia.
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