O presente artigo tem como ponto de partida a investigação sobre a árvore genealógica de uma das autoras, impulsionada pelos relatos na primeira pessoa transmitidos por uma tia-avó. Tal transferência rica, embora difusa, de indícios de um passado que remonta ao início do século XX em Portugal, constituiu uma oportunidade para estender a recolha a outros antepassados a partir de variados tipos de arquivo. A esta memória oral, que exterioriza as emoções e factos numa mescla pessoal e afetivamente modelada, justapõem-se os registos materiais, visuais e documentais. Nestes incluem-se objetos nostálgicos, fotografias de família e registos paroquiais de batismos, casamentos e óbitos, provenientes de diversos arquivos distritais. O resgate de memórias dispersas, que até à data permaneceram na penumbra entre gerações, trouxe à tona eventos enigmáticos e significativos em Portugal. Tais como a migração e radicação em meados do século XIX de várias famílias espanholas de Badajoz na Amareleja, ou o terramoto de Benavente de 1909 presenciado pelos bisavós paternos de uma das autoras, documentado pelo fotógrafo Joshua Benoliel, fornecendo uma visão humanista e intimista sobre a catástrofe. Da reconstituição histórica, manifesta na teia de ligações entre fotografias e textos, motivada por imagens mentais que começam a recuperar a sua forma sugerida pelas pistas e achados coletados, esboçam-se narrativas simultâneas alicerçadas em evidências genealógicas, cronológicas e geográficas. Nesta oscilação entre a esfera pessoal e coletiva, alicerçada em metodologias do domínio da História e dos Estudos Visuais, procura-se refletir sobre as possibilidades de tangibilização da memória, as migrações entre diferentes locais e o que permanece de referência emocional do local de origem, como são transferidas entre gerações as memórias pessoais, como reconstituir memórias esparsas e como a partir de memórias pessoais é possível enquadrar uma memória coletiva.
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