No dia 20 de janeiro, afrorreligiosos se mobilizam para cultuar Rei Sabá, entidade encantada que, segundo uma de muitas histórias, se petrificou na Praia do Castelo, região insular da cidade São João de Pirabas, localizada no nordeste do estado do Pará, na Amazônia oriental. Embarcações saem da cidade para a ilha, levando afrorreligiosos, pessoal de apoio e outras pessoas interessadas em assistir e participar da festividade. O ápice da atividade é quando se entrega oferendas na pedra onde se reconhece o encantado. O ato é acompanhado de giras coletivas, juntando as comunidades de terreiros participantes. Por acontecer no dia do mártir da igreja católica, São Sebastião, os afrorreligiosos celebram-no em uma missa no dia anterior, na paróquia de São João Batista. Em 2019, o Templo de Umbanda Oxóssi e Mamãe Oxum, liderado por Mãe Rita, levou um andor em forma de barquinha, com a imagem de São Sebastião para a pedra do Rei Sabá (Rei Sebastião), assim, o santo se encontrou com o rei encantado, eclodindo na multiplicidade dessa entidade.
O presente dossiê é o resultado do Grupo de Trabalho (GT), de mesmo nome, que aconteceu na XIII Reunião de Antropologia do Mercosul, em julho de 2019 em Porto Alegre. Infelizmente, a mostra que temos aqui é uma pequena parcela das apresentações do GT, que trouxeram diversas abordagens, temas e reflexões a respeito dos campos religiosos e espirituais, focando-se principalmente nos índices e materialidades das entidades, e os consequentes efeitos de suas existências nas vidas das pessoas. A nossa proposta, tanto no dossiê quanto no GT, foi de agregar diversas pesquisas que tenham o interesse em extrapolar a noção de crença e o status de cultura (material ou imaterial) dado a essas entidades e a esses seres com quem travam relações as pessoas com as quais aprendemos. A ideia é muito simples e já foi desenvolvida por alguns teóricos do que tem sido chamado de virada ontológica, mas também de virada material na antropologia da religião. Se esses seres fazem parte da vida das pessoas, concebendo realidade a elas da mesma forma que são percebidas as necessidades materiais e econômicas, por qual razão não daremos a devida atenção a esses seres para a constituição da vida social e a consequente elaboração teórica dessa vida? Além disso, as relações entre as pessoas e diversos tipos de agentes espirituais também possibilitam um alargamento e tensionamento das compreensões ocidentalizadas do que é viver, a razão e a própria constituição do mundo moderno.
O presente artigo é uma tentativa de estudo sobre as formas como as pessoas de santo apreendem, ou mesmo leem livros sobre o universo afro-brasileiro. Partindo de um caso etnográfico específico, oriundo de pesquisa de campo junto a um terreiro de Mina Nagô na Amazônia paraense, trago a possibilidade de se compreender a leitura empreendida por afrorreligiosos como uma prática cosmológica e ritualmente orientada, portanto, devendo ser compreendida pelos próprios termos dessas religiões. Essa abordagem resulta em férteis relações entre o conhecimento letrado e o oral, o saber nativo e o antropológico, sugerindo que a compreensão das formas como afrorreligiosos se relacionam com a escrita necessita de estudos etnográficos mais específicos e que levem em consideração o que essas pessoas tem a nos dizer a respeito do tema.
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